Capítulo #02: Aquele com os primeiros indícios (bissexuais)

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Sugestão de música: Rolê - Carol Biazin ft. Gloria Groove

Naquele mesmo ano, conheci Kauã – o típico hétero que tenta ser um rapaz bacana (no estilo "quero conquistar todos" e não "quero ser amigo de todos") e acaba dando em cima de quem for. Assim como metade do mundo, eu acabei me interessando por aquele jovem. Nós nos conhecíamos pessoalmente, ele era o vizinho do apartamento da frente, mas nos aproximamos apenas virtualmente em uma partida de jogos online.

Nos falávamos quase o dia todo e, em certo momento, não aguentei e decidi jogar todas as cartas na mesa. Disse que achava que estava gostando dele e ele confessou que sentia o mesmo por mim. Kauã alimentou todas as minhas esperanças – mas também soube aumentar o meu medo da forma mais dolorosa possível. Combinamos de realizar um passeio juntos durante o feriado de independência daquele ano, mas ele me ligou cinco minutos antes de sairmos avisando que precisara ir a outra cidade cuidar dos meio-irmãos que viviam com o pai.

É claro que fiquei chateado com Kauã! Ele sabia dos nossos planos havia mais de um mês, poderia muito bem ter conversado com o pai e explicado aquela situação. O motivo para ter se negado a fazer isso? Digo mais adiante as minhas teorias. Tínhamos combinado de nos beijarmos – aquele seria meu primeiro beijo, então é claro que eu gostaria de tentar, apesar de nem saber que, naquela época, isso era apenas fogo, não atração por ele –, mas ele parecia não se importar com aquilo.

Kauã foi minha primeira decepção adolescente quando decidiu me dar o fora. Ele já tinha me contado das vezes em que ficara com outros amigos (sim, no masculino), mas me confessou não ser bissexual. Honestamente, não quero ser o babaca por julgar a sexualidade de alguém – sei bem quão doloroso pode ser, depois de tantos anos sendo confundido com alguém hetero –, mas nunca senti muita firmeza naquele fora dele.

A nossa conversa foi do jeito mais simples possível. O fora que ele me deu foi por meio de uma ligação, realizada algumas semanas depois da nossa tentativa falha de passeio (confissão breve: convidei meu pai para passearmos na capital do nosso estado depois de tudo, e foi o feriado mais divertido até aquele ano. Acabei me apaixonando pela cidade e sonho com o dia em que poderei viver por lá) e nossa conversa não durou mais do que cinco minutos.

– Então, Tony, sobre aquilo que você me falou esses dias... Me desculpe, cara. Eu adoro conversar contigo e você realmente é um homem incrível, mas eu não sou a pessoa por quem você está esperando por toda a sua vida... – ouvi um suspiro pesado do outro lado da linha.

– Kau, do que você está falando? Não faz sentido isso que você está me dizendo!

– Antônio, o que eu estou tentando te explicar é que eu não curto garotos, entende? Eu sou hetero, não sou bissexual, como você imaginava que eu fosse – seu tom era irritado, e até um pouco debochado, como se tentasse explicar para uma criança o motivo de ela não poder puxar o rabo do gato de rua (na verdade, não puxe o rabo de nenhum animal, eles não merecem essa crueldade).

– Cara, o que você está me dizendo nem faz sentido! Quer dizer, você já ficou com outros meninos, não? – minha voz ficou mais aguda por um breve segundo, por conta da ansiedade que eu já estava sentindo naquele momento.

– Bem, eu sinto muito por qualquer coisa. Não era minha intenção te dar esperanças de que nós pudéssemos ser algo além de amigos.

Ele nem esperou que eu o respondesse, simplesmente desligou a ligação na minha cara e não nos falamos mais depois daquela conversa tão desconfortável. Descobri que, no fim daquele fatídico ano, Kauã mudou de telefone e de estado. Perdemos o contato por alguns anos e, quando retomamos, éramos amigos complicados (não por conta do nosso quase ex relacionamento, mas pelo fato de Kauã nunca ter sido exatamente alguém que quisesse ser meu amigo, estava mais para hetero top que quer conquistar todos ao seu redor), até que me afastei de vez da nossa relação e as coisas ficaram melhores na minha vida.

E por "melhores", eu quero dizer menos piores, porque, honestamente, minha vida nunca (ou talvez seja só ainda) se tornou melhor em nenhum aspecto quando se trata de meus relacionamentos (ou casos enrolados, como prefiro chamar).

Ah, claro. A teoria sobre Kauã não ter tentado negociar com o pai. Acredito que meu adorável vizinho simplesmente não me achava tão interessante quanto eu o achava, acho que ele não tinha nenhum tipo de atração em particular por mim. Se tinha, sempre foi ótimo em ocultar a verdade. Naquela época, eu teria ficado muito chateado em saber disso, mas hoje em dia percebo que Kauã não estava em meus planos futuros. Ele jamais pertenceu, de fato, a minha vida, e está tudo bem assim. 

É engraçado, hoje em dia, perceber como eu realmente não estava apaixonado por Kauã, assim como não estive apaixonado por Giulia (a garota hetero top do meu colégio) durante nosso tempo estudando juntos. Mas, se eu pensar bem, está bastante óbvio que senti mais coisas por Kauã. Quero dizer, eu poderia passar o dia todo conversando com ele e, provavelmente, ainda não estaria cansado disso no momento de ir dormir. Nós sempre tínhamos papo, ainda que começássemos a conversa com um simples "oi, tudo bem?" e mandássemos uma única mensagem de risada em momentos aleatórios. Nós sempre sabíamos como retomar as conversas.

Era fácil gostar do Kauã, talvez fosse pelo fato de saber que não iríamos para frente. Ele era heterossexual demais para mim, ele até mesmo chegou a ter algumas namoradas no período em que me dava bola. Então, acho que não posso considerá-lo como meu primeiro interesse, nem como minha primeira perda, mas sim minha primeira curiosidade como um possível garoto bissexual.


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