Sugestão de música: Friends - Anne Marie e Marshmello
No feriado de carnaval do ano seguinte, já aos 21 anos, decidi retornar para minha cidade natal e passar esse período em um retiro dos jovens de minha igreja. Sempre gostei desses momentos de comunhão, ainda que, por muitos anos, a minha relação com a religião tenha sido extremamente complicada até para mim mesmo. Não pelo fato de eu não acreditar naquilo que era dito – talvez, antigamente, eu tenha chegado a acreditar até mais do que deveria –, mas sim porque eu me sentia totalmente condenado e julgado no meio daquele ambiente.
Os pastores mais antigos, aqueles que ministraram seus trabalhos na congregação da qual meu pai participava, eram extremamente antiquados e com a cabeça totalmente fechada para qualquer coisa. Não tenho muitas lembranças do primeiro desses pregadores, mas o último era um homofóbico 100% preconceituoso que não deixava outras pessoas darem suas próprias opiniões. No início de seu tempo com os jovens daquela igreja, ele destilava seu ódio contra pessoas LGBTQIA+ por meio de discursos teoricamente baseados na Bíblia, e eu acreditava piamente em tudo o que era dito (tudo bem, alguns anos mais tarde, o medo de ser condenado ao inferno também me ajudou a não ter tentado algo contra a minha própria vida durante o estresse do vestibular, apesar das cartas de despedida que já cheguei a escrever nos meus piores momentos).
Ouvir as mensagens daquele homem era, na maior parte do tempo, como sentir meu corpo queimando só por estar perto da igreja, era doloroso estar tão perto do céu, e, ainda assim, tão distante.
Por conta dessas sensações estranhas que tive com a religião na qual fui criado, foi realmente difícil reestabelecer o vínculo quando chegou um novo pastor. Complicado, mas não impossível. Ao contrário do anterior, esse novo pregador já não era tão preconceituoso (mas ele ainda era meio mente fechada com certos assuntos, como pessoas não binárias, a diferença é que ele jamais te condenaria ao inferno apenas por dizer algo como "não nasci no corpo certo" ou "eu tenho interesse nas pessoas que a igreja considera como erradas"), suas mensagens não eram recheadas de ódio e eu acabei simpatizando com sua figura.
Entre a passagem desses mensageiros, comecei a fazer minhas próprias pesquisas e decidi que me reconectaria com Deus. Eu e Ele, de uma forma que nunca havia tentado nos meus mais de 20 anos de existência. Ter criado essa conexão direta foi a melhor coisa que fiz. Desde o momento em que percebi que Ele está comigo independentemente de qualquer coisa, senti uma paz enorme, como se todo o ódio que parecia envolver meus dias tivesse simplesmente desaparecido com esses gestos.
Alguns fatos auxiliaram para que isso acontecesse, claro, mas o alívio que senti por poder ser eu mesmo com a pessoa cuja opinião era a mais importante na minha vida foi essencial para que eu me aceitasse e deixasse de ouvir os comentários preconceituosos baseados em uma suposta lei que detesta pessoas que não se relacionam com o sexo oposto.
Dessa forma, o período de retiro daquele ano seria bom para fortalecer essa conexão, com Deus e meus melhores amigos. Além de Vitória, Rodrigo e um pessoal bacana estar por lá, Heloísa também estava.
Essa garota era razoavelmente nova em nosso grupo e, contra todas as possibilidades, decidira permanecer participando de nossas reuniões. Logo em sua primeira participação, Rodrigo acabara fazendo a pobre garota passar mal ao ponto de ela vomitar durante a madrugada daquela festa do pijama. Não foi uma boa ideia brincar de verdade ou desafio naquele dia, mas com certeza acabou sendo inesquecível para todos, de alguma forma.
Heloísa era quase tudo o que eu poderia pedir em uma pessoa (do sexo oposto ou não, vale lembrar): bonita, simpática, carinhosa (às vezes até de mais), gentil e todas as qualidades que alguém poderia pedir. Durante uma das palestras daquele ano, ela ficara chateada por algo que o mensageiro dissera e eu decidi tentar conversar com ela. Não que eu seja um bom conselheiro ou algo assim, mas sempre adorei tentar ajudar as pessoas, de certa forma.
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Ás de Espadas
Ficção Geral"Talvez você ainda não saiba quem eu sou, mas poderia me ver como um garoto esquisito que às vezes tem ansiedade em situações corriqueiras da vida, como uma simples fila de vacinação. Não sou a melhor pessoa do mundo contando histórias, mas falar se...