Capítulo #09: Aquele da (primeira) saída do armário

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Sugestão de música: Meninos e Meninas - Jão

Em um pico de estresse e ansiedade por conta dos estudos e de toda a carga trabalhista que eu carregava, desabafei com minha irmã sobre minha sexualidade. De uma forma simples, nossa conversa foi a que mais me trouxe alívio em semanas, ainda que eu sentisse que Alice não seria preconceituosa sobre o irmão ser gay (ok, eu ainda não sabia se era homossexual ou bissexual porque, para mim, essas eram as únicas possibilidades da vida). Ela me puxou para o sofá quando eu estava já a beira das lágrimas e me fez sentar ao seu lado. Simplesmente, ela se virou para mim e perguntou:

– So... do you kiss girls? Or do you kiss boys? – Alice e eu sempre tivemos o costume de conversar em inglês. Claro, ela era péssima antes de realmente aprender (às vezes confundia as combinações entre "you" e o verbo "to be", por exemplo), mas era ótimo quando falávamos em outra língua e ninguém além de nós entendia, criávamos nosso próprio mundinho. Depois de muitos anos nessa batalha, minha irmã evoluiu muito nos níveis de inglês e já conseguiu até mesmo realizar uma apresentação no idioma estrangeiro no trabalho (na qual foi considerada uma das melhores e eu fiquei morrendo de orgulho).

Nem precisei responder, pois senti uma estranha sensação de conforto ao perceber como Alice me conhecia tão bem (também tem o fato de que, segundo eu e Davi, "in english is less sad", então era mais fácil falar coisas complicadas em uma língua estrangeira). Nos abraçamos e ficamos assim por alguns minutos, enquanto ela me dizia que estava tudo certo e que não havia nada de errado naquilo que sentia. Ok, naquela época, tirando meus momentos aleatórios de gostar pouco de alguém, eu nunca tivera o pensamento real de beijar uma pessoa, do sexo feminino ou masculino, mas saber que minha irmã estava ao meu lado foi algo tranquilizador para minha vida, me trouxe uma nova sensação de paz.

Ela me dizia que, no início, algumas pessoas poderiam estranhar e pensar que eu estava errado, mas disse que tudo ficaria bem no fim. Felizmente, depois de tantos anos, esse momento chegou e agora as coisas realmente estão tão tranquilas para mim quanto poderiam estar. Talvez até melhores do que eu imaginava naquela época.

Depois de tanta maluquice ocorrida comigo naquele ano e com a existência de Eduardo ali por perto, pronto a me ajudar no que fosse, decidi tentar dar uma chance para as estranhas sensações que vinha sentindo desde meus 16 anos. Assim, no fim do ano de vestibular, nós tentamos ter nosso primeiro beijo.

Sinceramente, tive que bloquear essa experiência da mente por muito tempo.

Em resumo, não foi bom, não foi como eu esperava, e definitivamente eu não sentia a menor atração por Eduardo. Eu me senti decepcionado após o término daquele beijo. Felizmente, ele estava atrasado para ir ao trabalho naquele dia, então não ficou tempo o suficiente para me ver revirando com o enjoo que senti após o ato.

Escovei os dentes diversas vezes, passei sabonete nos lábios, comi balas com gostos fortes e tentei tomar o máximo de suco de limão (puríssimo, zero açúcar) possível para sair aquela sensação esquisita de mim. Era como se eu tivesse me contaminado com algo. Eu me sentia totalmente impuro, estava desgostoso com aquilo que fizéramos, ainda que fossem simples beijos. A única coisa que consegui dizer a Eduardo naquele período foi que não gostaria de repetir a experiência.

Inicialmente, as coisas ficaram meio estranhas entre nós, e eu acabei saindo da vida dele por algum tempo. Não queria explicar o que sentia (eu nem mesmo tinha certeza dos motivos que me fizeram odiar aquilo tudo), e não estava nem um pouco a fim de lidar com a tal responsabilidade afetiva por ter alimentado as esperanças dele por tantos meses. Sei que acabei sendo um babaca nessa história toda, mas eu passava por questões existenciais e sabia que, ao lado de Eduardo, minhas dúvidas seriam ainda maiores.

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