Epílogo: Um encontro inesperado

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Sugestão de música: Início do Fim - Carol Biazin

Sabe, desde que comecei a escrever essa história, muitas coisas se passaram na minha vida. Além da maior mudança de todas (ou seja, receber a oportunidade de me formar no exterior), encontrei pessoas que fizeram meus dias mais coloridos aqui na França e acabei sendo obrigado a jogar todas as convicções que eu tinha até uns sete meses atrás fora.

A primeira delas? Sobre eu não sentir nenhum tipo de atração, sexual ou romântica (a segunda? sobre eu não sentir atração por mulheres).

Acontece que conheci uma pessoa que fez meu cérebro simplesmente explodir já nos nossos primeiros encontros, e esse ser humano atendia pelo nome de Luísa.

Diferentemente de grande parte das mulheres que conheci ao longo da vida, Luísa parecia ter um jeito especial que me encantou facilmente. Ela tinha uma conversa cativante e sempre me olhava profundamente, como se atingisse minha alma. Além disso, foi Luísa quem me auxiliou logo no início, quando tudo o que eu queria era deitar na minha cama e chorar a noite toda depois de uma aula complicada com aquele francês estranho que alguns professores insistiam em utilizar. 

Já no nosso primeiro encontro, eu e Luísa tivemos uma noite quente e, da forma mais inesperada possível, foi um momento incrivelmente bom. Prazeroso? Acho que não poderia utilizar essa palavra, mas foi agradável e eu quis continuar testando os limites da minha (as)sexualidade e possível atração também por mulheres (ou por Luísa especificamente).

Ao contrário de mim, Luísa era uma pessoa muito ativa, que sempre mostrava uma enorme atração sexual quando estávamos juntos, gostava de estar com galeras em festas e atividades sociais, sem amarras. Ela odiava se sentir presas em relações que nem sempre faziam sentido, então a relação estabelecida entre nós acabava sendo ótima para nós dois: ela podia estar com quem quisesse além de mim, enquanto eu aproveitava tudo de bom que Luísa poderia me proporcionar.

Essa mulher foi como uma nova luz na minha vida. Ela me fez ter certeza sobre aquilo que eu sempre tive esperança (talvez "esperança" não seja bem a palavra, mas é claro que sempre quis tentar me sentir "normal" e me encaixar no mundo heteronormativo, o que pode até parecer meio homofóbico quando paro para pensar, mas a vida é assim, sabe? Nada gentil com os diferentes) de ser uma pessoa pansexual/panromântica.

No início, era tudo muito novo para mim e fiquei surpreso por ser algo tão natural, na medida do possível. Depois de tudo pelo que passei, era ótimo andar de mãos dadas com Luísa sem ter medo de levar uma lâmpada na cabeça. Acabei me acostumando aos carinhos que ela me dava em momentos aleatórios em que estávamos juntos. Mesmo sem termos um título de relação séria ou acordos de exclusividade, Luísa me tratava da forma como eu gostava: era adepta de afetos esporádicos e atividades bobas de casal, mas nunca exagerava nessas demonstrações ou me pressionava a algo menos ocasional.

O fato de Luísa ser uma pessoa legal e termos ideologias políticas semelhantes também facilitaram muito para que eu me apegasse a ela e me tornasse cada dia mais próximo daquela garota. Apesar das nossas diferenças (como nossos cursos diferentes [ela fazia nutrição] e nossas idades [eu era três anos mais velho que ela]), as coisas faziam sentido quando eu estava com ela e tínhamos conversas leves. Era fácil ter ela ao meu lado. No sentido bom da palavra, não no sentido cômodo (como foi com Giulia, muitos anos atrás, por exemplo).

No entanto, nem tudo eram flores ao lado de Luísa. Meus colegas detestavam esse jeito totalmente livre e solto dela, não curtiam o fato de não termos nada sério ou exclusivo, achavam que eu estava sempre sendo o bobo da corte dela. Na realidade, deixei de conversar com eles sobre Luísa pouco depois de nosso segundo encontro. Percebi que não valeria a pena a discussão e, sinceramente, eu só queria aproveitar a companhia dela, sem julgamentos e sem pressão.

Então os meses seguintes foram passados ao lado de alguém que eu quase não conseguia ver quando estava com meus colegas do intercâmbio, mas Luísa e eu éramos os melhores em aproveitar os breves momentos que tínhamos juntos longe da minha galera. Algo no fundo da minha alma me dizia que, apesar de todas as fofocas que ouvia sobre ela, Luísa era alguém que valia a pena. 

Olha, por mais que eu deteste admitir, logo percebi que estava certo (detesto porque, bem, meu plano nunca foi me interessar por ela por mais do que algumas conversas e momentos juntos. Eu ainda me sentia totalmente inseguro de entrar em algo mais sério e deixar de ter aquele brilho nos olhos que Luísa despertava em mim) quando ela começou a dizer que tínhamos chances de, no futuro, termos algo mais firme entre nós. 

Mesmo sem querer, Luísa me fazia feliz e bem, e eu realmente não entendo o que aconteceu comigo nesses meses afastado de casa para mudar tanto dentro de mim. Eu tinha saído um garoto sem perspectivas de relacionamentos, paixões ou encontros casuais. Eu já tinha desistido de me interessar ou encontrar novas pessoas, porque sentia que só valeria a pena me investir em algo novo se fosse com, bem, Murilo. 

Agora, sobre Murilo e Eduardo... Eu nunca escondi de Luísa meus relacionamentos antigos, assim como ela sempre foi super transparente comigo sobre seus interesses passados (e nesse período de zero exclusividade, também falava dos rolos ocasionais), e foi ela quem me ajudou a lidar com certos traumas de tudo o que já tinha passado. 

Eduardo e eu ainda conversamos ocasionalmente, mas eu posso explicar o que me levou a nunca conseguir quebrar totalmente nossos laços. Acontece que, apesar de tudo, ele é a pessoa que mais me entende e sabe como eu funciono. É para ele que choro (literalmente) quando entro em crises sobre qualquer coisa (faculdade, igreja, Luísa, ansiedade, socialização) e ele sabe falar o que preciso ouvir (mas também fala o que eu quero ouvir, para equilibrar). E também é para ele que eu envio memes aleatórios que encontrei na internet (e foi com ele que, por uns dias depois de chegar na França, eu conversei sobre o fogo maluco que me atingia). Eduardo ainda é meio que minha alma gêmea dos meus amigos.

Já Murilo e eu seguimos fazendo planos de vida. Se ele sabe dos meus sentimentos por ele? Não tenho ideia, mas, como já disse em vários momentos, não é essencial para mim que ele descubra (porque eu tenho medo de deixar de amar caso ele volte a me amar demais, tipo a música do Jão mesmo). Tudo bem, sei que talvez não seja a estratégia mais correta, porque posso acabar deixando passar uma chance linda de ter um amor, mas é mais fácil ter Murilo como um grande amigo do que não tê-lo em minha vida. Independentemente do caminho, sempre o guardarei no coração com um carinho especial.

De qualquer forma, meu tempo ao lado de Luísa é contado e tem prazo para acabar, porque em poucos meses retornarei ao Brasil (já com meu diploma internacional em mãos, finalmente) e tudo o que vivemos até hoje ficará no passado. Talvez alguma coisa mude até o fim do meu intercâmbio, mas não acho que eu deva me preocupar com isso neste exato momento. Agora, tudo o que quero é poder aproveitar a companhia dela enquanto estamos próximos. O futuro não está em minhas mãos, e deixarei que o novo Antônio tome suas próprias decisões.

Até lá, dedicarei meus dias a viver o presente que é estar com Luísa e a aprender uma nova cultura, com novos colegas e novos lugares para conhecer e, quem sabe, meu futuro eu volte para contar como vai a vida daqui para a frente. Dessa vez, não deixarei que minha felicidade escape novamente de mim. 




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