ᴛᴀʀǫᴜɪɴ - sᴀᴜᴅᴀᴅᴇ ▪︎ ᴘᴀʀᴛᴇ ɪ

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Tarquin estava deitado na cama, encarando o teto e os dedos batucando no lençol que estava esticado até seu peito. Era de noite, quase madrugada, mas tudo que ele não sentia era sono. Não conseguia dormir. Não com a cama fria daquele jeito.

O lençol estava quente. O travesseiro. O colchão. Mas sentia a cama gelada. Sentia falta do calor de sua esposa, do corpo dela contra o dele, e das conversas que tinham até o entardecer. Sentia falta de tanta coisa que o peito chegava a doer.

Não conseguia dormir sem o carinho dela, acabou se acostumando a sentir os dedos dela traçarem desenhos imaginários em seu peito. Sentia falta dos beijos no pescoço, que o tiravam tantos arrepios e gemidos e que sempre o deixava sensível.

Não conseguia relaxar. Não sabendo que debaixo daquele teto e naquele palácio, sua esposa estava magoada com ele. Sua esposa, sua parceira, sua amiga. Eram casados há cinquenta anos. E era a primeira vez que estava sozinho na cama.

E literalmente, não aguentava mais.

O que mais o magoava eram as lembranças. Ah, doíam. Lembrava que ainda naquele dia, tentou tocar a mão dela enquanto revisavam alguns papéis, e ela recuou. Tentou beijá-la, e ela esquivou. E ela não respondia. Não falava com ele, ao menos, não os assuntos que queria. Quando Tarquin perguntava sobre algo relacionado a Corte ou o trabalho, ou sobre os filhos deles, ela respondia. Mas quando perguntava...

Está brava comigo?

Fala comigo, Andreza, por favor.

Ela não respondia. Ficava fria, de um jeito que ele não estava acostumado. Era tão estranho trabalhar do lado dela. Como Grã-Senhora, compartilhavam a mesma sala. Inicialmente, haviam duas mesas para cada um sentar, mas sempre Andreza colocava a cadeira dela ao lado dele. Ou sentava no colo dele e juntos resolviam as coisas. Ou em dias mais corridos, ela ficava andando de um canto para o outro, mas sempre conversando com ele. Ela não parava de falar, nem por um segundo.

Quando foi obrigado a se casar com ela, pensou que todo aquele falatório seria a sua morte. Mas depois de um tempo, pegou gosto por ouvir a voz dela. E estranhava quando ela não dizia nada. Desde então, trabalhar ouvindo Andreza falar sobre tudo e mais um pouco virou a sua forma preferida de passar o tempo.

E nunca ficavam sozinhos. Depois de tanto tempo juntos, casados, compartilhando da mesma cama e vínculo, ficavam o tempo todo juntos. O tempo inteiro. E não era algo ruim. Andreza tinha o péssimo costume de roncar, rir alto demais, tropeçar nas coisas, falar errado, rir sozinha, e foram sendo essas pequenas coisas que foram dando graça ao dia dele. No final, sempre ficavam juntos, pois um era o porto do outro.

E de repente, estava sozinho na cama.

Há uma semana.

Mesmo não querendo pensar, mesmo não tentando, quando piscava, via a memória de sua esposa afastando de si, de alguma forma, com alguma desculpa, sem nunca olhá-lo nos olhos.

Chegou em um momento que tinha medo de aproximar. Tinha medo dela se afastar mais. Chegou em um momento que não se lembrava da risada dela, ou do calor, ou do aroma. Vê-la de longe, sem poder tocar ela, a fêmea que amava, o matava por dentro.

Nunca haviam brigado. Não daquele jeito. Por vezes, Tarquin faziam coisas erradas, e Andreza era totalmente compreensível em sua abordagem, sempre conversando sobre o ocorrido e dizendo sua opinião, sem puni-lo por meio disso.

Mas dessa vez, era diferente.

E não sabia o que fazer. Como aproximar.

Estava prestes a levantar e ir vê-la, mesmo que de longe, quando ouviu a porta abrir. Congelou. Simplesmente, parou no lugar. Viu Andreza entrar, vestida com trajes estivais, com um rosto sonolento e fechado, e simplesmene não moveu, com medo de um simples movimento seu ser o suficiente para ela sair e nunca mais voltar.

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