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1983


"Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente torna-se mais uma. O egoísmo unifica os insignificantes"


As vozes no corredor cortavam o silêncio. Os adolescentes indo de um lado pro outro agitados. Preocupados de mais com os próprios problemas pra perceberam a crise que a família Byers estava enfrentando. Will estava desaparecido.

A notícia se espalhou no dia anterior, quando a polícia veio até a escola falar com os amigos da criança. E apesar de as áreas serem separadas, logo chegou aos ouvidos dos adolescentes. Não que eles tivessem se importado muito com isso. Eram egoístas de mais pra isso. Egoísmo? É o amor exagerado aos próprios interesses a despeito dos de outrem.

Naquela manhã teriam teste de química, o suficiente pra deixar a maioria dos adolescentes do segundo ano agitados e temerosos. Diferente dos do terceiro ano, que estavam mais preocupados com o teste de matemática. A maioria deles não entendia nada da matéria. Claro, como entenderiam? Ocupados de mais em transar, beber e ir a festas idiotas para socializar e serem idiotas em conjunto. Escola era a última coisa com que se preocupavam.

Felizmente, Elizabeth era uma excessão.

Ela estava em seu armário no corredor, revendo brevemente o resumo do conteúdo pro teste. Apesar de ser boa com as matérias, sua ansiedade sempre a sabotava. Até que sua atenção foi pra voz de Steve. Que estava junto da dupla de idiotas, e a dupla de garotas.

Steve: que deprimente.

Levantando o olhar, Lizzie percebeu que eles falavam de Jonathan Byers. O qual colocava pôsteres de desaparecido no mural. Will. Rapidamente Elizabeth se lembrou.

Ignorando a conversa do grupo de amigos, e a babaquice sem limites deles. Ela foi em direção do Byers, ganhando olhares de todos no corredor.

Lizzie: oi.

Chamou a atenção do rapaz e ele a olhou confuso e surpreso. De todos daquela merda de escola, ele nunca esperaria que logo a rainha viria falar com ele.

Jonathan: oi.

Ela olhou pro cartaz, sorrindo fraco pra foto da criança sorrindo. Will era adorável. E ela gostava dele, apesar de nunca ter tido contato direto com o mais novo.

Lizzie: sei que logo vão encontra-lo. Sã e salvo.

Jonathan: é... Eu espero.

Ele a olhou sem jeito, e a garota tocou seu braço o fazendo entrar em um desespero interno.

Lizzie: sei que não somos próximos nem nada. Mas estou aqui se precisar. Te aprecio Jonathan, e aprecio seu irmão.

Ele a olhava como se estivesse olhando pra pedra mais rara do mundo. E ela era. Elizabeth O'hara. A pedra rara no meio de todos os pedaços de carvão.

Jonathan: obrigado Elizabeth.

Lizzie: pode me chamar de Lizzie.

Ele concordou, e logo Nancy se juntou aos dois. Diferente de Elizabeth, Nancy não conseguia achar palavras pra situação. Mas Jonathan apreciou a tentativa.

Nancy: precisamos ir agora... É... Boa sorte.

Jonathan: valeu.

Assim as duas se afastaram dele, Elizabeth acenando pra si uma última vez antes de voltarem pro grupo. Steve e os dois bobocas a olhavam em confusão e desdém.

Carol: novo namorado Lizzie?

Tommy: não por favor. Não me faça imaginar isso, me dá náuseas.

Riram enquanto a garota revirava os olhos e seguia pra sala de matemática, com os três atrás de si ainda a importunando com aquilo. Patético.

O teste de matemática foi um pesadelo. Steve estava quase tendo um colapso enquanto olhava para todos aqueles números, linhas e letras. Odiava matemática, odiava muito matemática.

Olhando pro lado, ele pode ver a melhor amiga rodando o lápis nos dedos, ela tinha acabado o teste a alguns minutos. E Steve realmente não entendia como ela conseguia entender aquilo e formular uma resposta. Sua mente girava e gritava. Ele enlouqueceria. Com certeza.

Ele se arrependeu. Se arrependeu de negar a ajuda de Lizzie. Se arrependeu de não ter pego as anotações dela, e de ter se negado a estudar com ela nos vinte minutos que ficaram sem fazer nada até o sinal bater.

Já faziam duas horas e meia que estava naquela sala. Olhando pras equações confusas, e as fórmulas que não se lembrava. Eles tinham aprendido bhaskara no ano anterior?

Olhando com desespero pras folhas a sua frente. Eram cerca de quarenta questões. Apenas dez estavam feitas, e ele não tinha confiança alguma sobre suas respostas. Olhando de novo pra Elizabeth, ele a viu o olhar de volta.

O olhar desesperado do melhor amigo a fez tampar a boca pra conter o riso. Ela tinha o avisado várias vezes. Mas ele preferiu jogar conversa fora, e flertar com a Wheeler. Agora ele não podia reclamar.

Steve: eu juro. Eu achei que ia colapsar e cair duro a qualquer momento.

Tommy: eu também. Puta que pariu. Que teste do demônio.

Carol: falando em demônio.

Elizabeth desviou a atenção quando ouviu o comentário da garota ao seu lado. Tinham acabado de passar pela mesa de Eddie Munson. O metaleiro líder do clube de RPG Hellfire. Estava repetindo o terceiro ano pelo segunda vez. E era a maior piada do colégio. Todos alí o tinham como chacota. Como uma piada. Uma aberração.

Elizabeth simplesmente detestava aquilo. Era patético. O conceito de humilhar os outros pra se sentir superior. Era mais humilhante do que tudo.

Egoístas.

A palavra voltou a mente de Elizabeth.

Eram todos egoístas. Mimados. Ridículos. Patéticos. Eram tudo. E nada.

Lizzie pegou apenas uma maçã na merenda, e se sentou na mesa de sempre. Em segundos ela já estava rodeada de gente. Theodore ao seu lado falando com alguns garotos sobre o basquete. Steve do seu outro lado junto no assunto. Carol e Tommy sendo nojentos. Ela suspirou. Patético e enojavel.

As vezes se sentia tão... Nojenta. Por continuar com aquilo. Continuar no meio de pessoas tão desagradáveis. Fechar os olhos pras besteiras que faziam e ficar em silêncio enquanto se destruía cada vez mais ao lado deles. Se achava egoísta também. E era.

Estava com eles pelo medo de ficar sozinha. Medo de se afastar de Steve. Medo de perder o resto de sanidade. E medo de se deixar ser tomada pela tristeza e acabar a deixando mata-la, como matou sua mãe e sua avó.

Se sentia egoísta por não conseguir aceitar. Por não conseguir deixá-las ir, e continuar prendendo aquela dor em seu peito.

Se sentia egoísta por pensar... Por que elas a deixaram? Por que ela tinha que perde-las e ficar sozinha?

Por que e por que?

Elizabeth era egoísta. Mas ela ainda precisava de mais. Então ela seria egoísta. Seria mais egoísta.



















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