Naquele dia, mesmo com vários lampiões acesos, a luz do luar estava fraca demais para amenizar a escuridão da noite lá de fora. Os ventos sopravam levemente, mas uivavam a todo o momento. O tempo havia virado de repente, pois o céu escureceu e nuvens frias carregadas de chuva, surgiram. Por conta disso, as janelas da sala do casarão estavam fechadas, e não estava nem um pouco abafado, pois a brisa que vinha das ventanas do corredor, que interligava até a cozinha, já fazia com que o ar circulasse.
Todos estavam na sala de jantar, bem vestidos e comportados. Somente os mais velhos conversavam entre si, enquanto Sarah se encontrava no sofá da sala de estar e Danilo ainda não tinha descido.
Não demorou muito para que a comida fosse servida e então, todos estavam reunidos, até mesmo Gael, que costumava jantar na cozinha por sempre chegar tarde do trabalho. Assim, eles começaram a se deliciar com a comida em silêncio, mas o herdeiro da casa logo acabaria com essa tranquilidade.
- Então, como está a senhorita depois do ocorrido na cozinha, Sarah? - ele questionou pegando sua taça de vinho do Porto, com ar disfarçadamente debochado.
Ela parou por um instante tentando entender a situação, mas logo depois encarou o rapaz. Não sabia como ele havia descoberto o que aconteceu e muito menos o motivo dele ter tocado nesse assunto. Sarah não queria que ninguém soubesse da situação passada, pois sabia que sua mãe enxergaria um problema imenso naquilo.
Todos, com uma expressão surpresa encaravam a jovem esperando por uma resposta, já que ninguém sabia do que Danilo estava se referindo.
- Do que você está falando, querido? - perguntou Célia, com uma simpatia forçada.
Gael, Sarah e Zenaide, que se encontrava no canto da sala, estavam tensos sabendo que todos iriam descobrir o que eles queriam manter no esquecimento.
- Ela passou mal depois de ter comido rabada com os criados...Na cozinha. - ele hesitou, fingindo que havia percebido que falara demais.
- Nossa, querida! - exclamou Margarida, preocupada. - Mas você está melhor agora?
- O que foi que aconteceu? - Célia indagou furiosa antes que a filha pudesse explicar - O que você tem na cabeça? Me diga!
Gael fitou os olhos no rosto sarcástico de Danilo, mas este fingia que nem era com ele. O que importava agora era que ele conseguiu o que queria: desestabilizar Sarah e fazer o capataz de seu pai assumir a culpa por ela. E o plano deu certo...
- Na verdade fui eu que a convenci, senhora! Pensei que iria fazer bem, já que ela estava adoecida. - respondeu Gael, direcionando sua atenção para Célia.
- Você sabia disso, Zenaide? - questionou, incrédula.
- Hã...Não, senhora! Quando cheguei à cozinha, os dois já estavam lá reunidos com o resto da criadagem. - retrucou a governanta, desconcertada por não ter sido um exemplo de ordem como de costume.
Bernardo acompanhava tudo atentamente e havia se surpreendido com a revelação do seu funcionário mais confiável. Tudo bem que a intenção dele fosse boa, mas não tinha o direito de levar uma convidada de honra e que era parte da família, a fazer uma refeição na cozinha, com os empregados da casa. Mas, ainda assim, não iria tomar nenhuma decisão abrupta.
Por outro lado, Célia não parava de dizer o quanto aquilo era um absurdo e que sua filha não devia ter aceitado comer nada que era considerado o "resto" para os criados comerem. Sarah só ouvia tudo em silêncio e continuava a comer, como se nada que a mãe falasse fosse convencê-la de alguma forma de que teria errado em se sentar e almoçar com os funcionários do casarão. A única coisa que se passava na cabeça da jovem era a revolta com Danilo por ter contado algo que não lhe pertencia.
- Senhor Bernardo, acho que deveria tomar uma atitude em relação a isso. - sugeriu a matriarca - Se Gael gosta tanto de ficar na cozinha com os criados e comer a refeição deles, não há motivos para ele ficar aqui conosco...
- Mamãe, a senhora não pode fazer isso! - esbravejou Sarah - Eu não fui influenciada por ninguém, Gael não tem nada a ver com isso!
- Se a senhora vai se sentir mais confortável com a minha ausência, de agora em diante passarei a fazer todas as refeições na cozinha. - disse o capataz, rispidamente, enquanto se levantava e colocava seu chapéu preto de couro.
A senhorita Virgos olhava para tal cena do rapaz se dirigindo para os fundos da casa, indignada e desejando desesperadamente gritar para que Gael tivesse noção do que estava fazendo ou simplesmente se levantar e ir atrás dele. Segundo ela, o rapaz jamais deveria estar obedecendo a um capricho de sua mãe, ela não deve ter poder sobre ninguém!
Já a viúva, orgulhosa por terem obedecido seus comandos, voltou a se concentrar em sua refeição, como se nada tivesse acontecido. Em contrapartida, Sarah e seus tios, desapontados com o fim da conversa, além de Bernardo, o qual havia ficado preocupado com o afilhado, foram se retirando da sala de jantar aos poucos.
Enquanto isso, Danilo, em seu interior, era o único que regozijava-se. Aquilo era muito melhor do que ele havia imaginado que aconteceria. Só o ato de ver seu inimigo sendo expulso definitivamente já havia feito tudo aquilo valer a pena.
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A noiva falida
RomanceDepois da morte de seu pai e a ascensão da República Brasileira, Sarah e sua mãe se encontram falidas e precisam arranjar um jeito de continuarem no círculo social de São Paulo. Ao escapar de um casamento arranjado por Célia, sua mãe, Sarah terá que...