1. Momento de Fraqueza

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Foi um pequeno momento de fraqueza.

Ou pelo menos era isso que ela afirmava para si mesma enquanto recolhia do chão suas roupas espalhadas por todos os cantos do quarto. Vestiu as peças em silêncio, não queria acordar Wendell. Ele dormia sossegado, as costas nua exibindo os rastros em vermelho que as unhas dela haviam deixado em sua pele. Ele teria problemas para explicar aquilo, assim como ela para explicar as marcas que os lábios sedentos dele deixaram em seu pescoço.

A vontade de voltar para cama era tentadora. Não era certo sair de fininho depois da noite maravilhosa que tiveram, mas também não fora certo eles terem feito o que fizeram. Sendo assim, precisava sair dali antes que seu erro ganhasse magnitudes com as quais ela não poderia lidar.

A casa estava com um estranho silêncio enquanto andava por ela, segurando os sapatos de salto na mão e pisando descalça no assoalho. Olhou a decoração, a qual não teve tempo de observar quando passou por ali no início da noite, atracada a Wendell. A casa parecia uma elegante cabana, concluiu. Um lugar onde dava para se imaginar seu ex-noivo vivendo, mas ainda era difícil para ela imaginar ele vivendo com outra pessoa. Mesmo com o porta-retrato exibindo a foto do casal feliz.

Se sentindo repentinamente culpada, saiu furtivamente.

Entrou em seu Mustang, prendendo o cinto e tamborilando o volante com os dedos. Deu uma última olhada para a casa antes de ligar o carro e o sentir vibrar suavemente. Avançou pela rua vazia do bairro tranquilo ao passo que os primeiros raios de Sol surgiam no horizonte.

Estacionou no pátio, na frente da casa. Havia sido difícil deixar sua família para trás, principalmente sua irmã, mas sabia que não iria conseguir seguir com a sua vida se continuasse tudo como era antes. Aquela nova casa era a representação do sonho que ela estava tentando construir, ainda que a relação deles não tivesse nada a ver com contos de fadas, afinal ela dificilmente acreditaria nisso novamente.

Seus amigos a chamaram de tola quando ela decidiu morar com Fabrício, diziam que era burrice tentar substituir um amor com outro, no entanto ela não levou a opinião deles em consideração, eles não entendiam o que se passava.

Ela havia conhecido Fabrício em um período vulnerável de sua vida, em que já tinha desistido de procurar alguém e então ele surgiu e ela se deixou envolver por aquela relação. Havia aprendido que a vida não era o mundo encantado da Disney, então sentia que, ainda que ele não fosse o amor dos amores, era real e humano.

Conseguia admitir que fora boba e adolescente por mais tempo do que deveria, talvez por isso tivesse perdido Wendell... Mas agora, com trinta e quatro anos, ela era madura. E sentia medo. Se perguntava se um dia alguém iria amá-la o suficiente para ficar ao seu lado para sempre. Em toda sua vida conheceu apenas dois homens dispostos a isso. Com o primeiro tudo terminara de forma irremediável, e com o segundo ela foi fria demais ao recusar ceder o que quer que fosse.

Fabrício a cercou no momento certo, se aproximando lentamente e lhe conquistando pouco a pouco. Nunca seria como era antes, ela também não esperava que fosse. Sabia que tinha de continuar sua vida, estava cansada de ser uma alma solta no mundo, cansada de ir para festas e conhecer caras que provavelmente seriam três encontros e uma transa. E quando Wendell se casou... Ela teve certeza que deveria continuar. Então ela cedeu, se entregou para os braços de um homem que estaria ali para segura-la se ela caísse, mas que ela sabia que jamais conseguiria fazer seu coração bater descontroladamente.

O silêncio também reinava ali no interior da casa, no entanto era um silêncio gélido. Ela subiu a escada e entrou em seu quarto. Fabrício dormia e mesmo assim o clima ali era tão tenso que ela podia o sentir como uma pessoa viva parada ao seu lado.

Eles tinham tido uma briga, coisa que já estava quase virando rotineira por mais que ela tentasse evitar. Sentia que eles estavam como um vaso quebrado em que o dono apenas junta os cacos mas não os cola, qualquer pequena trepidação poderia fazer os cacos se separarem de novo.

Deixou os sapatos perto da porta e foi para o banheiro da suíte, tirando o vestido preto colado e as roupas íntimas enquanto caminhava pelo piso claro. Ligou a ducha na água morna e entrou sob ela. Passava o sabonete sobre a pele lembrando dos toques de Wendell, ávido, parecendo querer sempre mais dela. Nem mesmo o pesado sentimento de culpa poderia a fazer se arrepender daquilo.

Quando saiu do banho e entrou no quarto viu Fabrício sentado na cama, as pernas cruzadas e os olhos fechados. Estava fazendo meditação, uma prática que ela estava tentando aprender com ele e que também apreciava.

Encostada no batente, ficou observando-o. Se lembrava do velho ditado, "quem ama não trai". Ela tinha traído o débil relacionamento que eles estavam construindo, traído ele. Ainda assim achava que o amava, ao menos um pouco. Não era a paixão avassaladora que um dia já sentiu por alguém, mas definitivamente era amor.

Fabrício suspirou de forma pesada e audível, então virou-se para ela.

- Eu não consigo "não me concentrar em nada" com você me olhando. - reclamou ele.

- Desculpe, eu não queria atrapalhar. - ela passou a mão pelo cabelo, arrumando melhor as mechas morenas em volta do pescoço marcado.

- Eu não estou reclamando. Na verdade, eu até gosto. - ele levantou-se da cama e foi até ela, assim que a tocou sentiu seu corpo enrijecer. Olhou para seus olhos e já imaginou o que estava errado. - Me desculpe por ontem. - pegou em sua a mão, a que não segurava a toalha amarela. - Eu fiquei pensando antes de dormir, e tudo bem se você não quiser ir.

- Você sabe que não é por eu não querer. - ela se lembrava da discussão na noite anterior. - Eu tenho compromissos, uma agenda a cumprir.

Fabrício viajaria no dia seguinte, ficaria dois meses pela Europa. Ela havia se recusado a ir com ele. Tinha de trabalhar na produção de seu novo DVD, estava completamente concentrada nisso, fora a agenda de shows que não havia parado. E no fundo, mesmo que não tivesse motivo nenhum, e ainda que dissesse o contrário, ela não queria ir.

- Eu sei que você está trabalhando também. E tudo bem, eu consigo lidar com isso. Não vamos mais brigar, ok?

- Ok - ela forçou um sorriso e então ele lhe roubou um beijo rápido.

- Vou descer e preparar aquele chá indiano que você adora, daí você vai poder me contar sobre a festa de ontem.

Ela assentiu e assistiu ele deixar o quarto. Uma mentira já se formava em sua cabeça uma vez que ela sequer fora para a festa de aniversário de Paulinha.

Vestiu um vestido longo e leve, era terça e ela passaria o dia em casa. Tomou o café da manhã com Fabrício, sendo evasiva e contando mentiras sutis sobre a festa.

Fabrício tinha algumas coisas para resolver antes da viagem, mas encarregou seu empresário de tudo para poder ficar com Maraisa. O que a deixou ainda mais culpada pelo que fez.

"Pronta para Amar" passava na televisão. Aninhada com Fabrício no sofá, Maraisa ameaçou derrubar algumas lágrimas quando o filme acabou, afinal a protagonista havia morrido.

- Eu adoro quando você é doce e sensível. - ele beijou seu ombro afim de consolá-la. - Eu te amo. E antes de partir amanhã, preciso que você me responda uma coisa olhando nos meus olhos.

Ela se virou para ele, sem sair de seus braços. Olhou para seus olhos escuros temendo o que ele iria lhe perguntar.

- Você está feliz? - ele questionou.

Ela hesitou, surpresa com a pergunta repentina. Ficou pensativa, estava feliz?

Ela e Fabrício, apesar das recentes brigas, se davam bem. Não existia alguma real ou concreta reclamação que pudesse fazer sobre ele. Ele sempre era gentil, eles tinham uma relação leve e engraçada a maior parte do tempo. Ela o amava. Mas estava feliz?

- Tudo o que eu quero é te fazer feliz, eu preciso saber se estou fazendo isso certo. - ele passava os dedos pelos braços dela.

Ela sorriu. - Eu estou feliz. - afirmou, e não sentiu que mentia. Estava feliz, ele conseguia a deixar feliz.

Mas não conseguia a deixar completa como Wendell havia conseguido em uma única noite... Uma noite que seria marcada para sempre.

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