|Capítulo 60|

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Leah Pfeifer

Olho para Rustan, que parecia seguro de si para me relevar as coisas que estavam encobertas, mas eu me perguntava se ele também não fazia aquilo para, de alguma forma, sair de Berlim com a consciência mais limpa do que quando chegou nela. Eu não era ninguém para julgá-lo, uma vez que compreendia o que era aquele sentimento, contudo eu temia por ele e o peso que carregava em seus ombros. Puxo os lábios para cima ao ver que ele estava disposto a dividir os seus demônios comigo, assim como eu estava a fazer o mesmo com ele — sempre.

Mesmo que precisássemos vigiar as ruas, nós nos permitimos sentar por alguns minutos para fazer aquilo, porque não seria uma coisa fácil. Libertar o que está aprisionado em seu coração dá medo e é preciso de um ato de coragem para enfrentar o sentimento. Rustan é mais corajoso do que imagina, pois não é todos que decidem enxergar a verdade sobre si mesmo e ver que precisa de mudanças — quanto mais reparti-la com alguém. Estou orgulhosa por vê-lo crescer nesses poucos meses em que estive com ele em sua vida.

Eu seguro a sua mão, dando-lhe coragem e questiono:

— Quem é o senhor, Rustan Abromowitz, de verdade?

No primeiro instante ele solta um longo suspiro, entrelaçando nossos dedos e apertando a minha mão, apreensivo em me contar o que lhe passava em sua mente. Mas depois ele confidencia em voz baixa:

— Alguém que desde muito cedo aprendeu sobre o amor, a vida e sobre a esperança. Não chegava a crer no impossível, mas que a vida ia se cruzando com as nossas escolhas nos levando até o nosso propósito. Na verdade, eu só passei a acreditar nisso tempos para cá, pois na época da faculdade, eu me sentia perdido, não encontrava o meu caminho. E tudo isso que eu mais valorizava e não compreendia naquela época me foram roubados. 

"Entenda, na guerra só existe um lado: o deles. Minhas crenças e condutas foram distorcidas com o propósito de eu servi-los, e os ensinamentos de meu pai, em meu tempo de mocidade, não suportaram a pressão das regras do exército. Eu vivi nos dois mundo para saber como é o céu e o inferno. Fui um homem que teve muitos acertos, porém, as falhas pesam ainda mais nos ombros. Sou alguém que deveria morrer e não receber uma segunda chance."

Eu engulo em seco ao escutar a sua resposta, era cruel de ouvir, mas cada sílaba soava mais verdadeira do que eu queria que fosse. Rustan sofria por dentro e eu não sabia como curá-lo daquilo. Mas tinha que tentar. Tentar e conseguir, não por mim, mas por ele, pois ele merece o mundo inteiro.

E eu não conseguiria meramente por palavras soltas ao vento curá-lo da forma que ele precisava. Contudo, durante esses últimos meses, eu aprendi que estando junto e deixando o tempo lavar suas feridas, em suas cicatrizes preencherão um milhão de estrelas, transformando nossas piores lembranças nas nossas melhores vitórias. Para não enxergar mais como um defeito, um erro nosso, no entanto, um acerto de contas e um perdão que nos foi dado de graça. Assim sempre recordaremos que todos merecem uma segunda chance. As pessoas verão as nossas marcas do triunfo — nossas constelações.

— E por que o senhor diz isso? — com medo eu pergunto, voltando meus olhos para os seus, que fitavam uma rachadura no chão.

—  Bom, você sabe bem que a guerra foi terrível, passei por tantos momentos que prefiro esquece-la, mas ela nunca irá embora de mim, porque enraizou experiências muito fortes em mim e eu... eu não serei capaz de esquecer ou me perdoar por algumas coisas feitas, que eu poderia ter evitado. A verdade é essa: eu matei algumas vezes que eu não precisei, quando estava em busca de vingança por minha família, meus irmãos, eu... Eu me deixei levar e matei, torturei vários soldados alemães para que sentissem o que foi arrancado de mim. Apesar disso, eu não senti que melhorei.

Amor a Toda ProvaOnde histórias criam vida. Descubra agora