Capítulo 19 - Até o dia em que eu morresse

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POV ANNE

Salto no tempo.

- Como foi a aula? – Carolina perguntou quando entrei no quarto e desabei sobre a cama.

- Como sempre. – Ela olhou para mim, esperando. - Monótona. – Completei.

As duas aulas da manhã tinham sido com Dayane Durand, que ministrou biologia avançada na primeira hora e herbologia fitoterápica na segunda.

- Sobre o que foi a aula? – Carolina insistiu.

- Sobre as propriedades de um matinho rasteiro que, quando chamuscado, camufla sons e cheiros no ambiente para aqueles que estiverem fora.

- Não parece monótono para mim.

- Kol me ensinou sobre todas as 5 diferentes espécies dessa planta há 1 ano e meio. – Eu disse, me virando de barriga na cama. - Basicamente, a senhorita Durand está atrasada em alguns meses. – Falei. O rosto enterrado nos travesseiros.

- Exibida. – Murmurou Carolina.

- Ei! – Eu disse rindo e arremessei um travesseiro nela. – Eu ouvi isso.

- Sei que ouviu.- Ela arremessou o travesseiro de volta. – O que você vai fazer essa tarde?

Mesmo depois de um mês nesse lugar, me vendo fazer as mesmas coisas quase todos os dias, Carolina ainda se importa comigo o bastante para me perguntar com o que é que eu vou desperdiçar o meu precioso tempo.

- Eu...- Hesitei, tentando lembrar com o que eu poderia ocupar minha tarde. – Tenho lição de biologia e herbologia. – Mas a lição não tomaria nem uma hora inteira do meu tempo. E pela expressão impressa no rosto de Carolina, ela sabia disso.

- Entendi. – Ela disse friamente, se virando para mexer em algo na cômoda de madeira clara do quarto.

O último mês tinha sido todo assim, praticamente. Nós saiamos para o café as 07:00 e depois, as 08:00, eu saia para a aula. Carolina ficava por conta de qualquer coisa que fosse do interesse dela, assim como o restante das acompanhantes, que deviam somar pelo menos duas dúzias de mulheres humanas. Eu só saia da aula as 10:00 e me obrigava a caminhar o mais lentamente possível para poder chegar ao meu quarto só quando o relógio estivesse perto de bater as 10:30, deixando só 30 minutos de tempo livre até o almoço, nos quais eu geralmente jogava conversa fora com Carolina. O almoço era tão aterrorizante quanto o café. Todas as bruxas, as acompanhantes e as anciãs se sentavam e se obrigavam a conviver e conversar, mantendo o mínimo de civilidade entre si. Cada mesa comportava 52 pessoas, entre alunas, anciãs e acompanhantes, e existiam três dessas mesas no refeitório, fora a pequena mesa retangular posicionada diante delas, na qual a diretora de perfume enjoativo se sentava e avaliava em silêncio o comportamento das alunas. Eu nunca me dignava a manter uma longa conversação com ninguém, mesmo Carolina só obtinha respostas quando ela se dirigia diretamente a mim. Eu não precisava me preocupar em construir uma reputação, afinal, todos lá sabiam quem eu era e de onde eu tinha vindo e isso bastava para que elas tirassem suas próprias conclusões ao meu respeito. As únicas que não eram tão afetadas quanto a mim, eram as acompanhantes, com quem Carolina fizera amizade logo na primeira semana. Essas mulheres não tinham o costume de me olhar de soslaio que nem as suas pupilas sempre faziam.

O relógio marcou 10:45. Carolina e eu nos dirigimos até o refeitório exageradamente grande, em total silêncio.

- Eu estou fazendo o meu melhor, sabe. – Ela disse, como se estivesse jogando as palavras ao vento, enquanto virávamos para o corredor que dava acesso as portas do salão de refeição.

A tristeza e o cansaço manchavam a bela voz gentil de Carolina e ouvi-la falar aquilo para mim... foi como ter a cabeça mergulhada em um balde de líquido viscoso. A vergonha inundou meu nariz, se arrastando até a minha garganta, me impedindo de respirar ou responder. Pigarreei, buscando palavras.

A filha de MarcelOnde histórias criam vida. Descubra agora