POV AnneEu estava sozinha na floresta, como imaginei que seria. Henry não vinha mais até mim e em algum lugar da minha cabeça, me convenci de que era por conta dos que os pais dele pudessem pensar de mim. Eu culpei-os, tive raiva deles durante aquele mês. Tive medo do que eles poderiam ter dito ao Henry para afastá-lo de mim.
Toda a determinação que eu senti ao sair da escola para o bosque, querendo ver o meu amado a qualquer custo, foi minada de tal forma, que eu não entendia como, antes, eu tinha ido além dos muros da escola sem medo nenhum. Dessa vez, eu pensei nas consequências, no que acontecia comigo, com os planos que foram feitos em meu favor, nas negociações de Kol com a comunidade bruxa, no quanto eu estaria ferrada se voltasse a sofrer qualquer tipo de influência das bruxas ancestrais. Eu fiquei ali, sentada na grama, nos limites da escola, esperando por ele.
Dias se passaram.
Um mês se passou.
Eu não comia, Carolina estava triste pois seu tempo comigo na escola estava terminando. Mas ela me prometeu me visitar sempre que pudesse, como ela faria, eu não tinha ideia. Mais tarde ela me contou, que seu romance tinha desenvolvido-se até um pedido de casamento.
– Quem é ele? – Eu perguntei, preocupada com ela, afinal, minha figura materna mais forte estava prestes a começar uma vida na qual eu não estava envolvida, apenas seria citada superficialmente. Em minha mente, vi Carolina afastando-se e desaparecendo.
– Ele é um bruxo. Mora a não mais que cinco quilômetros daqui. – Ela respondeu, desviando da minha pergunta.
– Ser bruxo não é "quem" ele é, é "o quê". Ele tem nome, mãe?
– Francamente Anne, eu não sei se deveríamos falar sobre isso nesse momento. – Ela disse, arrumando um cobertor sobre mim, que estava deitada na cama, com náusea e um provável quadro de anemia. – O seu estado de saúde não é dos melhores, querida. – Os olhos dela eram ternos, mas eu vi através deles, a intenção de me esconder algo.
Carolina trouxe uma tigela de canja, feita com os pedaços mais terríveis de um frango. Tipo pés e fígado também. Era recomendação das anciãs curandeiras, mas olhando a cara daquela sopa estranha, elas poderiam muito bem estar tentando me matar com aquilo.
– Que cara é essa? – Carolina perguntou e sorriu levemente. – Vamos, abra a boca. Vai te fazer bem.
Carolina estava totalmente focada em me fazer melhorar. Eu sabia disso. Ela faria tudo. E eu teria que usar isso para descobrir o que ela estava escondendo de mim.
– Só se você me contar o que está por trás do mistério do seu casamento. – Eu impus.
Carolina soltou a colher dentro da tigela e fez cara de inconformada.
– Sabe, eu estou fazendo isso para você melhorar. – Ela deixou a tigela fumegante sobre a escrivaninha. – Não só a sopa, Anne. Isso. Tudo. – Ela levou a mão ao rosto e cobriu os olhos. – Tudo bem.
Quando ela pegou novamente a tigela, eu me ajeitei e abri a boca. Na primeira colherada, ela me olhou com a expressão insatisfeita e parecendo meio culpada e disse:
– Maurice Dubois e eu vamos nos casar assim que eu for embora, no mês que vem. No mais tardar, em dois meses.
A sopa era grossa e pegajosa, e o gosto era indescritivelmente estranho, eu tive a sensação de engasgar. Mas talvez fosse a informação que era estranhamente intragável, e não a sopa. Eu fiquei chocada. Mas Carolina não me deixou retrucar nem reclamar. Enfiou, uma colher por vez, a sopa toda na minha boca, me forçando a comer uma refeição inteira pela primeira vez em nem sei quanto tempo. Acho que foi o jeito dela de mostrar que a minha pequena chantagem a tinha irritado, situação essa que ela contornou cuidando de mim.
O arranjo não me agradava, mas eu não era o tipo de filha que se acha no direito de dizer com quem a mãe pode ou não estar, pelo menos, não na frente da mãe.
– É uma surpresa. Mas só uma coisa importa: Você realmente gosta dele, mãe? – Eu perguntei, encarando-a.
– É claro, Anne. Eu entendo a preocupação, mas o que te faz pensar que não seria por amor um casamento assim? – Ela retrucou, enxergando através da minha especulação. – Você sabe, eu já não sou mais nenhuma criança que se casa sob as ordens dos pais. – Ela completou, fazendo alusão ao seu primeiro casamento, cujo marido a abandonou após o falecimento do filho deles.
– Ele é o representante das bruxas, provavelmente um dos mais poderosos e influentes entre a comunidade. – Eu disse, olhando pela janela a noite escura. – Ter um laço tão forte com ele, poderia ser benéfico para nossa família, não, benéfico para mim, na verdade. – Eu voltei meu olhar para seu rosto e sua expressão entregava que aquele pensamento também tinha passado por ela. – O que eu estou dizendo é que se o Kol, ou qualquer outro tiver te pedido para seduzir o Maurice e convencê-lo a ficar do nosso lado, e que por isso você tiver se sentido pressionada a agir dessa forma, cancele o casamento. Não case com ninguém só para me ajudar. Não case só porque te mandaram fazer isso, mãe. Você mesma disse que não é mais uma menina seguindo ordens alheias.
A expressão dela mudou rapidamente.
– Não, Anne. Você entendeu errado, minha filha. Eu conheci Maurice antes de saber o que ele era e o que ele representa, nos apaixonamos antes de tudo isso. Eu admito que quando o Kol soube, ele explorou essa vantagem em nosso favor, mas não fui obrigada a nada, e nem tive que convencer o Maurice. Ele, na verdade, ficou feliz em ajudar para me ver feliz. Está tudo bem, querida. Não precisa se preocupar com isso. – Ela sorriu e me abraçou.
Aquilo aliviou meu coração, mesmo que eu ainda precisasse entender algumas coisas, eu estava feliz de que Carolina estivesse agindo de acordo com o próprio bem dela, pelos próprios interesses dela. O que invariavelmente me incluía, de um jeito ou de outro.Eu procurei Celeste no dia seguinte. Ela me contaria o que eu queria saber.
Enquanto me aproveitava de uma saída de Carolina, eu me arrastei pelos corredores em busca da bruxa, mas o jeito mais fácil de achá-la era esperar por ela na porta do quarto. Não demorou muito até ela aparecer. A recepção de Celeste não foi nem um pouco parecida com o que eu esperava.
– Uau! Você não tava morta ou maluca? Uma coisa assim? – Ela deu de ombros.
– Oi. – Eu disse, para tentar conter a vontade de ofendê-la.
– O que você quer, Anne? Você já deixou explícito que não gosta de mim. Não é um dia bom. – Ela disparou enquanto abria a porta do próprio quarto.
– Eu quero conversar com você, Celeste. Posso entrar? Eu literalmente não aguento ficar mais um minuto de pé. – Eu pedi com cara de sofrida, rezando pra ela sentir o mínimo de empatia.
Ela não parecia satisfeita, mas escancarou a porta para que eu passasse.
– Entra.
Eu me apressei e passei pela porta, sentei em uma das poltronas do quarto dela, meus músculos gritando em protesto pela movimentação. Eu ainda estava muito fraca, não era como se uma tigela de gosma de frango fosse me curar.
O rosto de Celeste estava frio. Ela se sentou na cama e me observou.
– Pode falar.
Eu imaginei um bom jeito de começar a conversa.
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A filha de Marcel
FanfictionNascer bruxa no quartel francês já não era uma coisa muito boa, mas ser abandonada ainda bebê pela mulher que deveria me amar, foi ainda pior. Mas eu tive a sorte de encontrar um pai que me amou e que me deu uma família. Eu sou Anne Marie Gerard, um...