Capítulo 16 - Viagem Infernal

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*Salto no tempo. *mais ou menos um mês

POV Anne

A viagem tem sido longa e cansativa. O navio é grande e as companhias, tendo minha família como rara exceção, são irritantes. As pessoas aqui, nobres ricos e arrogantes, alguns indo se divertir em Paris, outros voltando paras as terras nas quais nasceram, são em sua maioria, nada além de títulos. Apesar de tudo, as noites no grande salão onde jantamos e depois, geralmente, dançamos, costumam não ser tão desagradáveis. Não tenho muito com o que ocupar meu tempo, então as vezes eu perambulo por aí, em toda a extensão do navio, de ponta a ponta. Quando não estou passeando, eu fico em minha cabine, lendo e estudando.

- Quanto tempo ainda falta? – Perguntei, a ninguém em especial.

- Está impaciente, querida? – Meu pai desviou o olhar do jornal e me encarou.

- A vida aqui é monótona. Não estou impaciente, estou cansada de tudo isso.

- Ao que se refere, Anne? – Tio Elijah perguntou. – Seja sincera, você parece muito desconfortável e um tanto quanto infeliz esses últimos dias.

- Não me sinto bem convivendo com essas pessoas e me sinto ainda pior estando tão longe de casa. Meu único conforto nos últimos tempos tem sido a vossa companhia e enquanto eu devaneio durante a noite, antes de o sono me atingir profundamente, imagino como conseguirei viver afastada de vocês. Acho que esse é o ponto da minha curta vida em que eu mais estive perto de implorar que alguém não me deixe.

Meu pai saiu da poltrona onde se reclinava e se ajoelhou perante a minha.

- Me dê a sua mão, querida. – Assim o fiz. – Sei que será difícil para você, mas estamos tentando fazer o certo. Eu te amo verdadeiramente, minha filha, e vou amar por toda a minha vida. Eu não queria ter que te deixar, quanto menos na mão de meia dúzia de bruxas anciãs e por isso eu peço, não... – Ele fez uma pausa. – Eu, de joelhos, imploro seu perdão. Não queria te deixar partir, mas não sou forte o suficiente para te proteger sozinho. – Seus olhos lacrimejaram com a última frase.

- Por favor, pai! Não implore nada para mim. Eu não tenho o que perdoar. Conheço a necessidade de fazer o que é devido. Não se ajoelhe diante de mim, nem de ninguém. Somos a família mais poderosa do mundo, são os outros que devem se ajoelhar diante de nós e implorar por nossa misericórdia e perdão. – Eu disse, secando as traiçoeiras lágrimas que escorriam por meu rosto.

O que no mundo faria alguém como meu pai, o príncipe de Nova Orleans, filho de Klaus Mikaelson, se ajoelhar perante alguém e implorar? Eu jamais em toda a minha vida duvidei, nem mesmo por um breve momento, da devoção e do amor de meu pai. Mas agora, com ele ajoelhado aos meus pés, os olhos repletos de carinho e sofrimento, eu finalmente entendi o que toda essa situação significa para ele. Significa dor, abandono e separação. Para nós dois.

Meus tios, agora nos olhando, pareciam perto de demonstrarem compaixão por trás de toda a sua altivez inerente. Mas nenhum deles disse nada, talvez compreendendo aquele momento como uma demonstração humana demais de sentimentos que deveriam ser suprimidos.

- Não pense que a sua partida não afeta a todos nós. – Tio Elijah disse, como se soubesse o que eu pensei.

- Eu não pensei. – Retruquei, ainda com algumas lágrimas correndo por meu rosto.

- Pensou sim, mas é compreensível. Ainda que você pense que esse tipo de demonstração humana de sentimentos é destoante do nosso comportamento normal, lembre-se de que assim como o seu pai, nós já fomos humanos, jovem criança. – Tio Elijah disse, parecendo mais antigo do que nunca, como se a lembrança da humanidade fosse tão velha quanto era possível.

- Você e sua terrível mania de falar por todos nós. – Tio Klaus disse, andando em direção a porta da cabine.

- Então você não vai sentir a minha falta, tio Klaus? – Eu perguntei, sorrindo levemente.

- Você não vai para a guilhotina ou para a forca, é uma escola e mesmo que seja do outro lado do mar e cheia de bruxas meio malucas... – Ele fez uma pausa e se virou, dando um sorriso ladino. – Tenho certeza de que você ficará bem, afinal, você é uma Mikaelson.

Ele saiu da cabine antes que eu pudesse pensar no que dizer.

Um tempo depois, com o clima mais leve e os ânimos menos exaltados, quis sair da cabine para caminhar.

- Sabe o que eu percebi? – Tia Rebekah indagou ao entrar no cômodo onde eu estava me trocando.

- O quê?

- Temos que comprar uns vestidos novos.

- Por quê? Eu tenho tantos.

- Você esteve tão entretida com os novos aprendizados nos últimos dois anos que eu quase me esqueci que é um costume entre as mulheres da classe mais alta que as saias dos vestidos se tornem mais cumpridas conforme elas chegam a idade adulta.

- Isso não é importante. Não para nós, não nesse momento.

- Mesmo com tudo isso, sabe, as maldições, as lições e as novas descobertas, você ainda é uma garota que está crescendo. E mesmo que você não queira comprar vestidos novos, eu adoraria ter a sua companhia em uma ida até a loja de uma velha amiga.

- Claro, já que o que quer é a minha companhia, fica combinado uma ida ao ateliê de sua amiga.

A essa altura eu já tinha me vestido e terminado de me arrumar. Dei um beijo no rosto de tia Rebekah e caminhei em direção a porta.

- Vai sair? – Ela indagou, quando eu já estava a meio caminho da saída.

- Vou tomar um sol no deque, antes que eu desenvolva claustrofobia por ficar nesse lugar o tempo todo. Eu definitivamente preciso de ar, mesmo que seja brisa marítima.

- Entendi. – Ela riu. – Eu também não gosto de viajar assim, mas é melhor que de bote.

- Desculpe, - Eu disse ao perceber que meus tios já tiveram que viajar de maneiras muito piores. – Eu não quis parecer ingrata.

Às vezes eu me esqueço de que em outrora, todos eles já tiveram que passar por muitas situações difíceis.

- Não se desculpe por isso. Você só conheceu o extremo conforto desde sempre. É normal que mesmo essa cabine pareça desconfortável para você. Está tudo bem.

- Quer me acompanhar no passeio? – Ofereci, tentando amenizar minha grosseria anterior.

- Não, querida sobrinha, obrigada. Tenho coisas a resolver com seus tios.

- Tudo bem. Nos vemos mais tarde.

- Sim. Aproveite o passeio.

- Obrigada. – Eu disse, saindo do cômodo. – Estou de saída. – Disse alto suficiente para que todos me ouvissem. Mas não obtive resposta. Que seja, eles devem estar ocupados.

O sol brilhava forte no deque repleto de pessoas, que andavam de um lado ao outro, tagarelando sobre qualquer que fosse a tolice que era do interesse deles.

- Deveria olhar com tanto desdém para as outras pessoas? – Carolina apareceu do nada.

- Sabe bem que você é a única humana que possui o meu apreço. Detesto as pessoas, no geral. – Eu disse, me colocando ao seu lado a fim de caminharmos. – Onde vai?

- A nenhum lugar em especial. Estava cuidando para que as roupas de cama da nossa cabine sejam trocadas.

- Entendi. Gosta disso? – Ela virou o rosto para me encarar. – Ser governanta de uma família com tantas necessidades?

- Eu sabia que vocês eram complicados desde o dia em que seu pai apareceu as dez da noite na minha porta procurando por uma ama de leite. Tal fato não me incomoda.

- Acho que isso não é normal. – Eu disse e ri. Ela riu comigo.

- Ainda assim, não me incomoda.

Nós passeamos até a hora do almoço e depois eu fiquei lendo até a hora do jantar, no qual o capitão, para o meu alívio, anunciou que chegaríamos a costa francesa em dois dias de viagem. 

A filha de MarcelOnde histórias criam vida. Descubra agora