Coisas que guardamosem uma caixa

116 5 2
                                    

Então mamãe recebeu o cartão-postal hoje. Está escrito Parabéns em letras cursivas grandes,

e bem no alto fica o endereço do Estúdio TV-15, na rua 58. Depois de três anos tentando,

ela finalmente conseguiu. Vai participar do programa A Pirâmide de 20 Mil Dólares,

apresentado por Dick Clark.

No postal há uma lista de coisas para levar. Ela precisa de algumas mudas de roupa,

caso ganhe e passe para a próxima fase - que eles fingem ser no dia seguinte, embora

gravem cinco programas em uma única tarde. Presilhas de cabelo são opcionais, mas ela

sem dúvida levaria algumas. Diferentemente de mim, mamãe tem cabelos lisos e ruivos,

que balançam bastante e podem impedir que os Estados Unidos vejam seu pequeno rosto

sardento.

E, no final do cartão, tem a data em que ela deve aparecer, rabiscada em caneta azul: 27

de abril de 1979. Exatamente como você disse.

Olho na caixa que está embaixo da cama, onde tenho guardado seus bilhetes durante os

últimos meses. Lá está ele, escrito com sua letra miúda: 27 de abril; Estúdio TV-15. As palavras

estão tremidas, como se você as tivesse escrito no metrô. Sua última "prova".

Ainda penso na carta que pediu que eu escrevesse. Isso me incomoda, mesmo sabendo

que você se foi, e que não tenho mais a quem entregá-la. Às vezes a elaboro em minha

cabeça, tentando delinear a história que você queria que eu contasse sobre tudo o que

aconteceu no outono e no inverno passados. Tudo ainda está lá, como um filme a que

posso assistir quando quiser. Ou seja, nunca.

amanhã você vai entenderOnde histórias criam vida. Descubra agora