Untitled Part 40

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Coisas amarradas

— Vocês duas ficaram mesmo próximas — disse mamãe na semana seguinte, enquanto me

ajudava a puxar a cama dobrável do armário lotado do corredor. — Isso é legal, não é?

Annemarie viria dormir em nossa casa pela primeira vez.

— Você nunca passa o aspirador de pó? — perguntei. — Tem poeira atrás de todas as

portas.

— Dá um tempo, Mira — disse ela, brava.

— É sério... Eu vi uma barata no banheiro de manhã. Esse lugar está nojento.

Mamãe olhou para mim. Uma grande bronca pareceu passar diante de seu rosto. Mas

ela apenas disse:

— Quer saber de uma coisa? Por que você não faz tudo sozinha? — E saiu.

Puxei a cama até meu quarto e alinhei-a ao lado da minha, como Sal e eu sempre

fazíamos. Depois fiquei imaginando se as outras garotas faziam dessa forma. A cama

deveria ficar na parede oposta? Ela deveria formar um L com a minha, assim, apenas

nossas cabeças ficariam juntas? Decidi pela forma em L, afastei-me, ajustei o ângulo e

depois fui pegar os lençóis no armário do banheiro.

* * *

Desde quando éramos bem pequenos, Sal e eu costumávamos implorar para dormir um na

casa do outro nos fins de semana. Foram várias as noites em que adormeci feliz com Sal

ao meu lado, na cama dobrável.

Mas ele nunca estava lá pela manhã. Eu acordava e via a cama vazia, os lençóis

listrados desarrumados, e mamãe me dizia o que havia acontecido. Ele acordara com dor

de estômago, ou de cabeça, ou tinha tido um pesadelo, e quisera ir para casa.

Ela me dava um lenço de papel e dizia:

— Não sei por que vocês continuam fazendo isso. Sal chora no meio da noite, e depois

você chora de manhã.

Algumas semanas depois, tentávamos de novo. E eu sempre acreditava que daquela vez

Sal estaria lá de manhã. Com o passar do tempo, paramos de tentar. E eu ficava triste ao

ver aqueles lençóis listrados de azul.

Mas eram os únicos que serviam na cama dobrável. Estendi-os e fui até o quarto de

mamãe pegar um de seus travesseiros. Ela ainda estava na sala, irritada. Afofei o

travesseiro, coloquei-o com cuidado na cama e me afastei para olhar. Parecia tudo bem.

Ainda estava lá parada quando o interfone tocou, e tive a clara imagem mental de

Annemarie e seu pai em nosso lobby que cheira a cigarro e do lustre horroroso cheio de

insetos mortos. Foi quase como uma visão.

Fui até o interfone e apertei o botão para falar.

— Quem é?

A voz do pai dela:

— Annemarie e o pai com a barba por fazer!

Apertei por bastante tempo o botão de abrir, de uma forma que deveria dar a entender:

amanhã você vai entenderOnde histórias criam vida. Descubra agora