Untitled Part 29

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Coisas que fingimos

Na segunda-feira após o dia de Ação de Graças não pudemos sair do refeitório da escola

para almoçar. O cara pelado estava de volta, correndo pela Broadway, e não deixaram

nenhuma criança sair do prédio.

— Até que é legal correr por aí como se veio ao mundo! — Colin gritou para nós a

caminho de uma mesa cheia de meninos.

Annemarie deu uma risadinha. Eu podia ver Sal lá. Ele olhou em nossa direção, mas

fingiu que não me viu.

Observei os meninos por alguns segundos, um tentando falar mais alto do que o outro.

Sal fazia isso também. De vez em quando eu ouvia a voz dele e me lembrava de uma

brincadeira que costumávamos fazer no ônibus quando íamos para a piscina pública. Sal

segurava a barra metálica do ônibus e eu colocava a mão logo acima, daí ele tirava a mão e

colocava logo acima da minha, e eu colocava a minha acima da dele, até ficarmos na ponta

dos pés, segurando a barra lá no alto. Normalmente, algum adulto nos mandava parar de

brincar, pois o ônibus estava lotado e um de nós podia cair e derrubar alguém.

Annemarie estava brincando com a comida. A pior parte de ficar na escola na hora do

intervalo era ter que comer a comida de lá, que era nojenta.

— Será que Jimmy vai contar a encomenda de pães sozinho? — questionei. — Aposto

que não. Acho que ele gosta de me fazer contá-los.

Ela confirmou com a cabeça.

— Para você ter algo para fazer.

— Nossa, muito obrigada. — Joguei nela o canudinho do meu leite.

— Ei! Eu não quis dizer...

— É claro que não!

E então seu sorriso se desfez. Ela ainda estava me olhando, mas algo havia mudado,

como se um interruptor dentro dela tivesse sido desligado. Como se ainda estivesse lá, mas

fazendo outra coisa em sua cabeça.

— Annemarie?

— Pare. — Julia estava parada atrás de mim com uma caixinha de leite na mão. Antes

que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela se sentou ao meu lado no banco, ainda olhando

fixamente para Annemarie. — Ela vai ficar bem em um minuto.

— Mas o que há de errado com ela?

— Apenas espere — Julia não havia nem olhado para mim, seus olhos não se desviavam

do rosto de Annemarie.

Annemarie mexeu um pouco a cabeça. Apoiou o braço na mesa, piscou e falou:

— O quê? — como se não tivesse entendido algo que eu dissera.

— Você está bem? — perguntei.

Julia acertou meu joelho embaixo da mesa.

— Não faça perguntas — sussurrou.

Só então Annemarie notou a presença dela.

— Oi, Julia — disse, e um sorriso tomou seu rosto.

Julia sorriu de volta.

— Oi. — E depois virou-se para mim: — E então, Miranda? Como está indo o

parquinho? Para a maquete da Rua Principal...

Julia queria falar sobre a Rua Principal? Naquela hora?

Ela me olhou nos olhos:

— Fiquei sabendo que sua proposta foi aprovada. Parabéns.

Parabéns?

— Hum, obrigada.

— Vai ter balanços? Como você vai fazer?

Comecei a entender que Julia estava me mostrando algo, ensinando-me a ajudar

Annemarie.

— Com clipes de papel — disse a ela. — Estou usando os clipes para fazer as correntes

dos balanços e vou cortar pedaços de borracha de pneu para os assentos.

Julia concordava com a cabeça.

— Parece ótimo — disse ela.

Quase consegui nos imaginar como amigas, tendo aquela conversa para valer.

— O que mais? — perguntou ela.

— O quê?

Ela parecia irritada. Eu não estava agindo rápido o suficiente.

— No parquinho. O que mais vai ter?

— Ah... bem... gangorras. Com certeza, gangorras.

E então Annemarie falou:

— Sabe, tem uma madeira chamada balsa, que seria perfeita para as gangorras. É bem

fácil de cortar. Acho que meu pai até tem um pouco.

— Sério? — perguntei. — Seria ótimo. Podíamos pintá-las de laranja, como as do parque

Riverside.

— Isso! — disse Annemarie. — Podemos começar a fazer na minha casa. Talvez hoje

mesmo, se você quiser. — Ela olhou para Julia: — Quer ir? Começar a fazer as gangorras

da Miranda?

Antes que Julia pudesse responder, eu disse:

— Não tem pressa. O projeto acabou de ser aprovado. Podemos começar semana que

vem. De qualquer forma, Annemarie, você vai para a minha casa hoje, lembra?

Senti Julia se afastando.

— Até mais, meninas — disse ela e se levantou.

— Tchau! — respondi.

Annemarie olhou para ela:

— Tchau, Julia.

Alguns minutos depois, os alto-falantes anunciaram que Annemarie deveria comparecer

à enfermaria.

Ela deu de ombros, sorriu e saiu andando, dizendo:

— Volto em um minuto.

Mas não voltou.

amanhã você vai entenderOnde histórias criam vida. Descubra agora