Coisas que ficam presas
— Adivinha? — perguntei a mamãe quando ela chegou em casa. — O homem da
gargalhada não é completamente louco. Ele só é um SCL.
— SCL?
— Sujeito com cara de louco.
— Não diga "sujeito com cara de louco". E do que você está falando?
— Eu dei um sanduíche a ele hoje. Ele agiu normalmente. Quase.
— Você deu um sanduíche a ele?
— Foi o sanduíche que sobrou, do Jimmy.
— Mira, o que levaria você a dar um sanduíche para o homem da gargalhada?
— Qual é o problema? Achei que você iria gostar!
— Achou que eu iria gostar do fato de você ter iniciado um relacionamento com uma
pessoa com doenças mentais?
— Que relacionamento? Eu só dei um sanduíche a ele!
— Já conversamos sobre isso, Miranda. Achei que você soubesse se cuidar. É só por isso
que permito que ande sozinha por aí!
— Eu só dei um sanduíche a um desabrigado! É você quem trabalha com criminosos e
ajuda presidiárias grávidas.
— Nem todo mundo que foi acusado de um crime é criminoso, você sabe disso. E,
além do mais, eu não tenho 12 anos.
Apontei para o suéter dela, estampado com um arco-íris.
— Mas você se veste como se tivesse 12 anos!
Podia sentir as lágrimas começarem a rolar, então peguei dois dos saquinhos de batatas
chips que Louisa havia trazido, fui para o meu quarto e bati a porta.
Alguns minutos depois, ela bateu e entrou.
— Desculpe. Você fez uma boa ação. Eu não devia ter explodido daquele jeito.
— Então por que explodiu?
Ela se sentou ao meu lado na cama.
— Eu não sei. Acho que fiquei louca só de pensar que você pode ter se colocado em
uma situação de risco. Gosto de achar que você está sempre segura, mas isso não existe.
Existe? Confio em você, Mira. Quero que saiba disso. Eu só... não queria cometer mais
erros. Não acho que suportaria cometer mais algum erro.
— Do que você está falando? Que erro?
Ela riu.
— Está brincando? Por onde devo começar? Cometi cerca de um milhão de erros.
Felizmente, você superou quase todos eles.
— Quase todos eles? Quantos, mais ou menos?
Ela sorriu.
— Não sei. Novecentos e noventa e nove mil?
— Então sobram apenas... quantos? Uns mil?
— Richard quer vir morar aqui — disse ela, sem rodeios. — Ele quer se casar comigo.
E meu cérebro disse: "Ele quer?" E então senti... uma leveza. Eu estava feliz.
— Isso é ótimo — falei.
— Você acha? — Ela sorriu por um instante e então sua boca voltou ao normal. — Eu
não sei. Eu não... não consigo saber se é a coisa certa.
— Você não o ama?
— Claro que amo! Não sei se é a coisa certa para você.
— É por isso que não dá uma chave a ele? Por minha causa?
Ela balançou a cabeça lentamente.
— Não sei. Apenas me sinto travada, como se estivesse com medo de tomar qualquer
atitude sem saber se é realmente certa ou errada. Preciso de um pouco mais de tempo para
pensar. — Ela se levantou. — A água já deve estar fervendo. O espaguete estará pronto em
dez minutos.
Espaguete de novo. Estávamos meio travadas, percebi. Em vários sentidos.
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amanhã você vai entender
De TodoPara Sean, Jack e Eli, campeões de risadas em horas impróprias, de amor intenso e de questões extremamente profundas. A experiência mais bela que podemos ter é o misterioso. — Albert Einstein Como vejo o mundo (1931)