Untitled Part 4

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A rodada-relâmpago

Há duas partes em A Pirâmide de 20 Mil Dólares. Mamãe chama a primeira de "rodadarelâmpago",

porque é preciso fazer tudo rápido. Os concorrentes tentam fazer seus

parceiros-celebridades adivinharem sete palavras comuns, dando dicas. Se a primeira

palavra é "garfo", o participante deve dizer: "Usa-se para levar a comida à boca... Não é

uma colher, é um..."

Se tiver um cérebro — e mamãe diz que ele pode não ter —, o parceiro-celebridade dirá

"Garfo!", então soará uma campainha e a próxima palavra aparecerá em uma pequena tela

oculta. Cada equipe tem trinta segundos para as sete palavras.

Depois a pequena tela gira, e são as celebridades que dão as dicas para os concorrentes

adivinharem. Outras sete palavras, outros trinta segundos. A tela gira mais uma vez, e os

concorrentes dão as dicas novamente.

É possível marcar 21 pontos na rodada-relâmpago. Acertando tudo, ganha-se um bônus

de 2.100 dólares. Porém, o mais importante é derrotar a outra equipe, porque o grupo que

ganha a rodada-relâmpago vai para o Círculo dos Vencedores, e o Círculo dos Vencedores

é onde está a grana.

* * *

Não temos muito tempo para praticar esta noite porque é dia de reunião de condomínio.

Uma vez por mês, os vizinhos sentam-se em nossa sala e reclamam, enquanto mamãe toma

nota usando taquigrafia. Muitas pessoas nem se dão o trabalho de comparecer. São sempre

os mesmos. Aqueles que não recebem convites para ir a muitos lugares e ficam bravos

porque a calefação não é tão forte quanto gostariam. Louisa trabalha em uma casa de

repouso e diz que, para os idosos, nunca está quente o bastante.

Depois da reunião, durante a qual o Sr. Nunzi normalmente faz mais um buraco em

nosso sofá com o cigarro, mamãe sempre escreve uma carta ao senhorio e manda uma

cópia para alguma agência da cidade que deveria se preocupar com o fato de termos ou

não água quente, com a porta do lobby, que não tranca, e com o elevador, que fica

emperrando entre os andares. Mas nada nunca muda.

* * *

Nossa campainha vai começar a tocar a qualquer minuto. Mamãe está treinando algumas

rodadas-relâmpago com Richard enquanto faço limonada com polpa congelada e abro um

pacote de Oreo.

Louisa usa sua batida de sempre, e eu abro a porta com o prato de biscoitos. Ela pega

um e suspira. Está usando jeans e seus sapatos brancos de enfermeira, os quais tira e deixa

na porta. Louisa odeia essas reuniões, mas participa em consideração a mamãe. E alguém

precisa prestar atenção aos cigarros do Sr. Nunzi para garantir que ele não coloque fogo em

nosso apartamento acidentalmente.

— Limonada? — pergunto.

Recuso-me a ficar de garçonete durante as reuniões da mamãe, mas sempre sirvo uma

bebida a Louisa.

— Eu adoraria — diz ela e me segue até a cozinha.

Assim que lhe entrego o copo, a campainha toca por quase um minuto sem parar. Por

que, por que, por que as pessoas têm que ficar apertando o botão para sempre?

— São velhinhos — diz Louisa, como se pudesse ler minha mente. — Estão tão

acostumados a serem ignorados...

Ela pega mais dois biscoitos e vai abrir a porta. Louisa normalmente não come o que

chama de alimentos processados, mas diz que não aguentaria até o fim uma reunião de

condomínio sem Oreo.

Quinze minutos depois, mamãe está sentada no chão da sala, escrevendo como louca

enquanto as pessoas se revezam para dizer que o elevador está sujo, que há guimbas de

cigarro nas escadas e que a secadora no porão esturricou a calça de alguém.

Eu me encosto na parede do corredor e a vejo levantar o dedo para sinalizar à Sra.

Bindocker que fale mais devagar. Quando ela começa, nem a taquigrafia da mamãe

consegue acompanhar.

* * *

Mamãe chorou na primeira vez que viu nosso apartamento. Ela conta que estava imundo.

O chão de madeira estava "praticamente preto", as janelas tinham uma "crosta de sujeira",

e as paredes estavam manchadas com algo que ela "nem queria imaginar" o que seria.

Sempre com essas mesmas palavras.

Eu estava lá naquele dia — em uma cadeirinha para bebês. Estava frio, e mamãe usava

um casaco novo. Não havia cabides nos armários, e ela não queria colocar o casaco no

chão sujo ou pendurar em um dos aquecedores descascados e barulhentos. Então, carregouo

enquanto ia de cômodo em cômodo, dizendo a si mesma que não eram tão ruins assim.

Nesse ponto da história, eu ficava tentando imaginar algum lugar onde ela poderia ter

colocado o casaco, se tivesse se permitido pensar.

— Por que não pendurou no varão do armário do corredor? — eu perguntava.

— Empoeirado — respondia ela.

— No peitoril da janela da cozinha?

— Empoeirado.

— E em cima da porta do quarto?

— Eu não alcançava. E estava empoeirado.

O que mamãe fez naquele dia, há quase doze anos, foi vestir novamente o casaco, pegar

minha cadeirinha e andar até uma loja, onde comprou um pano, sabão, sacos de lixo, um

rolo de plástico adesivo, esponjas, limpa-vidros e papel toalha.

Quando voltou para casa, ela jogou tudo no chão. Então, dobrou o casaco e o enfiou na

sacola vazia da loja, que pendurou em uma maçaneta. Então, passou a tarde limpando o

apartamento. Eu não era boba, diz ela, então me aconcheguei em minha cadeirinha e tirei

uma longa soneca.

Ela conheceu Louisa, que também não tinha marido, no lobby do prédio naquele

primeiro dia. Ambas estavam levando o lixo para as grandes latas que ficam do lado de

fora. Louisa segurava Sal. Ele estava chorando, mas parou quando me viu.

Eu sei de tudo isso porque costumava pedir para ouvir a história várias vezes: a

história do dia em que conheci Sal.

amanhã você vai entenderOnde histórias criam vida. Descubra agora