Meu nome foi dado em homenagem a um criminoso. Mamãe diz que essa é uma forma
dramática de ver as coisas, mas às vezes a verdade é dramática.
— O nome Miranda representa os direitos das pessoas — ela me disse no último
outono, quando fiquei chateada porque Robbie B. falou na aula de educação física que
recebi esse nome por causa de um sequestrador.
Eu havia esquecido minhas chaves na escola e tive que esperar duas horas e meia no
mercado da Belle, na avenida Amsterdam, até que mamãe chegasse do trabalho. Não me
importei muito em esperar. Ajudei Belle um pouco. E eu tinha meu livro, é claro.
— Ainda está lendo a mesma coisa? — perguntou Belle assim que me sentei para ler na
cadeira dobrável ao lado da caixa registradora. — O livro parece meio detonado.
— Não estou lendo a mesma coisa ainda — respondi. — Estou lendo novamente. Já devo
ter lido umas cem vezes, e é por isso que parece tão detonado.
— Certo — disse Belle —, então me conte algo sobre esse livro. Qual é a primeira frase?
Eu nunca julgo um livro pela capa. Julgo pela primeira frase.
Eu sabia a primeira frase do livro sem nem precisar olhar.
— "Era uma noite escura e tempestuosa" — falei.
Ela fez um gesto positivo com a cabeça.
— Clássico. Gosto disso. A história é sobre o quê?
Pensei por um momento.
— É sobre uma menina chamada Meg... O pai dela desapareceu, e ela viaja até outro
planeta para salvá-lo.
— O que mais? Ela tem namorado?
— Mais ou menos — respondi. — Mas isso não importa muito.
— Quantos anos ela tem?
— Doze.
Na verdade, no livro não diz a idade de Meg, mas eu tenho 12, então para mim é como
se ela também tivesse. Quando o li pela primeira vez, eu tinha 11 anos, e ela parecia ter 11
também.
— Ah, 12 — disse Belle. — Ainda tem muito tempo para namorados. Por que não
começa do início?
— Começar o que do início?
— A história. Conte-me a história. Desde o início.
Então comecei a contar a ela a história do livro. Não li, apenas falei sobre ele,
começando com a primeira cena, em que Meg acorda à noite com medo da tempestade.
Enquanto ouvia, Belle fez um sanduíche de peru para mim e me deu umas dez
vitaminas C mastigáveis, porque achou que eu estava meio fanhosa. Quando ela foi ao
banheiro, peguei escondido um cachinho de uvas, que eu amo, mas nunca posso comer
porque mamãe não gosta da forma como os coletores são tratados na Califórnia e se recusa a comprar.
** *
Temos exatamente 21 dias para preparar mamãe para o programa. Então, em vez de assistir
à TV, estou copiando palavras para ela praticar à noite. Escrevo cada palavra em uma das
fichas brancas que ela surrupiou do trabalho. Quando junto sete, prendo os cartões com
um elástico, que ela também surrupiou do trabalho.
Ouço sua chave na porta e escondo minha pilha de palavras, para que ela não possa
espiar.
— Miranda?
Ela faz barulho andando pelo corredor (tem usado um tamanco ultimamente), para e
enfia a cabeça em meu quarto.
— Você está com muita fome? Estava pensando em esperar o Richard para o jantar.
— Posso esperar.
A verdade é que acabei de comer um pacote de salgadinhos. Comer bobagens depois da
escola é outro direito fundamental das crianças com chave. Estou certa de que na
Alemanha também é assim.
— Tem certeza de que não está com fome? Quer que eu corte uma maçã para você?
— Que tipo de bobagem se come na Alemanha? — pergunto. — Salgadinhos de
salsicha?
Ela olha para mim.
— Não tenho ideia. Por que está perguntando?
— Por nada.
— Quer a maçã ou não?
— Não. E não fique aqui. Estou escrevendo as palavras para mais tarde.
— Ótimo. — Ela sorri, enfia a mão no bolso do casaco e diz: — Pega!
Então joga algo na minha direção, e eu pego um conjunto novinho de canetas marcatexto,
de várias cores, amarradas com um elástico grosso. Em seguida, volta para a cozinha
batendo os tamancos.
Richard e eu chegamos à conclusão de que quanto mais mamãe odeia o trabalho, mais
coisas surrupia do almoxarifado. Olho para as canetas por um instante e logo volto para a
pilha de palavras.
Mamãe precisa ganhar aquele dinheiro.
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amanhã você vai entender
RastgelePara Sean, Jack e Eli, campeões de risadas em horas impróprias, de amor intenso e de questões extremamente profundas. A experiência mais bela que podemos ter é o misterioso. — Albert Einstein Como vejo o mundo (1931)