Coisas dadas
Devolvi os pães à mochila de Colin, coloquei o casaco, joguei minha mochila nas costas e
desci as escadas, dois degraus de cada vez. Havia uma multidão de crianças do lado de
fora, como sempre, empurrando, rindo e conversando, mesmo com o tempo ainda
congelante e a chuva que acabava de começar. Tirei um minuto para procurar por Sal,
como sempre faço. Nem sinal dele. Enrolei o cachecol da mamãe nas orelhas, virei para o
norte e comecei a subir a ladeira até a casa da Annemarie.
Aquilo não fazia sentido. Não o fato de Colin ter pegado os pãezinhos. Na verdade,
esse era justamente o tipo de coisa que eu esperaria dele. Mas meu cérebro gritava todo
tipo de perguntas: Como alguém poderia saber que Colin pegaria os pães? Quando o
bilhete fora colocado no bolso do meu casaco? Não me ocorreu que você pudesse tê-lo
deixado ali no mesmo dia em que colocou o primeiro bilhete no livro sobre a vila de
esquilos. Nem cogitei isso. Só fui saber muito tempo depois.
E por que eu? Pulei uma valeta cheia de água da chuva e dei os últimos passos até o
prédio de Annemarie. Por que eu estava recebendo bilhetes? Por que eu tinha que fazer
algo a respeito de seja lá o que fosse de ruim que ia acontecer? Eu nem tinha entendido o
que precisava fazer! Escrever uma carta sobre algo que ainda não aconteceu?
* * *
"Miranda", disse meu cérebro. "Nada vai acontecer. Alguém está brincando com você."
Mas e se meu cérebro estivesse errado? E se a vida de alguém realmente precisasse ser
salva? E se não fosse uma brincadeira?
O porteiro de Annemarie fez um gesto para que eu entrasse. Lá em cima, o pai dela
atendeu à porta com um cigarro apagado na boca e perguntou se eu queria um pouco de
macarrão frio com molho de gergelim.
— Hum, não. Obrigada.
— Limonada espumante então?
Ele me ajudou a tirar o casaco úmido. O forro estava todo grudado em meu suéter.
Fui até o quarto de Annemarie equilibrando minha limonada e uma água gelada para
ela, junto a um pratinho de amêndoas que seu pai havia aquecido. Amêndoas quentes
parecem meio nojentas, mas na verdade têm um sabor muito bom.
Annemarie ainda estava de camisola, mas parecia bem.
— Meu pai não para de me dar comida — disse ela, pegando um punhado de
amêndoas. — E não me deixa trocar de roupa. Diz que pijamas fazem bem à alma. Não é
idiota?
Sentei na beirada da cama.
— Essa é a rosa? — Estava no criado-mudo, em um vasinho prateado, bem o tipo de
coisa que ela teria em casa.
Ela fez que sim com a cabeça e olhou para a flor. A rosa era perfeita, estava se abrindo,
como em uma foto de revista.
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amanhã você vai entender
AcakPara Sean, Jack e Eli, campeões de risadas em horas impróprias, de amor intenso e de questões extremamente profundas. A experiência mais bela que podemos ter é o misterioso. — Albert Einstein Como vejo o mundo (1931)