Untitled Part 7

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Coisas que marcam

Aconteceu no outono, quando Sal e eu ainda voltávamos juntos da escola todos os dias:

um quarteirão da avenida West End até a Broadway, um quarteirão da Broadway até a

Amsterdam, passando pelo homem da gargalhada na esquina, e mais meio quarteirão até a

porta do prédio.

Aquele trecho do meio, entre a Broadway e a Amsterdam, é quase todo uma grande

garagem. A calçada é inclinada, e tínhamos que tomar cuidado quando havia gelo, senão

podíamos escorregar bem na frente do bando de meninos que estava sempre por lá. Se

caíamos, eles aproveitavam e se juntavam ao redor, rindo e, às vezes, nos chamando de

coisas que faziam nosso coração acelerar pelo restante do caminho.

* * *

No dia em que Sal apanhou, não havia gelo no chão, porque ainda era outubro. Eu

carregava o grande cartaz dos Mistérios da Ciência, que tinha feito na escola. Havia desenhado

letras grandes para o título, que era Por que bocejamos?.

Há muitas teorias interessantes sobre o bocejo. Algumas pessoas acham que tudo

começou como uma forma de mostrar os dentes para assustar predadores, ou de alongar os

músculos faciais, ou de avisar ao restante da tribo que era hora de dormir. Minha teoria,

que incluí no cartaz, é que bocejar é uma forma bem mais educada de dizer a uma pessoa

que ela está matando os outros de tédio. É isso ou um espirro em câmera lenta. Mas

ninguém sabe ao certo, e por isso trata-se de um mistério da ciência.

* * *

No dia em que Sal apanhou, os meninos da garagem estavam lá, como sempre. No dia

anterior, tinha havido uma briga; um deles encostou o outro contra um carro estacionado

e bateu nele. O garoto que apanhou estava com as duas mãos erguidas, como se dissesse

"Chega!", mas, todas as vezes que tentava sair do capô do carro, o outro o empurrava para

baixo e continuava batendo. Os outros meninos estavam pulando e gritando, e Sal e eu

atravessamos a rua para não sermos atingidos por acidente.

Naquele dia dos socos, os garotos estavam tranquilos, então ficamos do lado normal da

rua. Porém, assim que chegamos perto da garagem, alguém se afastou do grupo. Ele veio

em nossa direção e bloqueou a passagem, obrigando-nos a parar. Olhei para cima e vi um

garoto não muito grande, usando um casaco verde do exército. Ele fechou a mão e fez um

movimento que veio como uma onda e acertou Sal bem no estômago. Com força. Sal se

curvou para a frente como se fosse vomitar. E então o garoto lhe deu um soco na cara.

— Sal! — gritei.

Olhei para o mercado da Belle, na Amsterdam, mas não havia ninguém ali. Sal estava

curvado e paralisado. O garoto ficou lá por alguns segundos, com a cabeça inclinada para o

lado. Deve ser loucura, mas parecia que ele estava lendo meu cartaz dos Mistérios da Ciência.

Depois ele se virou e começou a andar na direção da Broadway, como se nada tivesse

acontecido.

* * *

— Sal! — Abaixei-me para ver seu rosto. Parecia normal, mas uma das bochechas estava

toda vermelha. — Vamos — falei. — Estamos quase chegando em casa.

Os pés de Sal começaram a se mover. Só depois de alguns passos, percebi que os

garotos não estavam rindo, assobiando, nem xingando. Eles não tinham dado um pio.

Olhei para trás e os vi ali, prestando atenção no menino com o casaco verde do exército,

que continuava indo na outra direção.

— Ei! — gritou um deles no meio da rua. — Que diabos foi isso?

Mas o garoto não olhou para trás.

Sal se movimentava devagar. Ele arregaçou as mangas da jaqueta dos Yankees que

ganhara de aniversário de sua mãe, com lágrimas escorrendo pelos olhos. Quase chorei,

mas consegui segurar. Eu precisava levá-lo para casa e ainda tínhamos que passar pelo

homem da gargalhada.

Ele estava na esquina, andando em círculos e fazendo saudações. Sal estava chorando

mais e andando curvado. Começou a pingar um pouco de sangue de seu nariz, e ele

limpou com o punho da jaqueta, listrado de azul e branco. Ele estava com ânsia. Parecia

que realmente ia vomitar.

Quando nos viu, o homem da gargalhada esticou os braços do lado do corpo e ficou

reto. Ele me fez lembrar do grande quebra-nozes de madeira que Louisa coloca na mesa da

cozinha na época do Natal.

— Criança esperta! — disse ele.

O maluco deu um passo em nossa direção, e foi o suficiente para Sal correr para casa.

Eu corri atrás dele, tentando segurar meu cartaz e tirar as chaves do bolso da calça.

Quando consegui abrir a porta e entramos no lobby, Sal foi direto para seu

apartamento e fechou a porta na minha cara. Bati várias vezes, mas Louisa ainda não havia

chegado do trabalho e ele não me deixou entrar.

* * *

Se não me engano, esse é o começo da história que você quer que eu conte. E eu ainda

não sabia, mas foi também o fim da minha amizade com Sal.

As regras de mamãe para a vida em Nova York

1. Sempre pegue a chave antes de chegar à porta.

2. Se um estranho estiver parado na frente do prédio, nunca entre — continue andando

pelo quarteirão até que ele tenha ido embora.

3. Olhe para a frente. Se houver alguém agindo de forma estranha, que aparente estar

bêbado ou ser perigoso, atravesse a rua, mas disfarce um pouco. Passe a impressão de

que já planejava atravessar.

4. Nunca mostre seu dinheiro na rua.

* * *

Eu tenho meu próprio truque. Se estou com medo de alguém na rua, viro para ele (é

sempre um menino) e digo:

"Com licença, por acaso sabe que horas são?"

Esse é meu modo de dizer à pessoa:

"Vejo você como um amigo, e não há motivo para me machucar ou tirar algo de mim.

Nem relógio eu tenho, e provavelmente não vai valer a pena me assaltar."

Até agora tem funcionado que é uma beleza, como diria Richard. E descobri que a

maioria das

amanhã você vai entenderOnde histórias criam vida. Descubra agora