Coisas que se desfazem
Na manhã seguinte, no caminho para a escola, enfiei nosso cartão por debaixo da porta
trancada da lanchonete de Jimmy. Na hora do almoço, Colin, Annemarie e eu subimos até
a Broadway juntos. Jimmy estava atendendo um cliente, mas nos viu pela porta de vidro,
fez cara feia e balançou a cabeça em negativa.
— Acho que ele está falando sério — disse Colin.
Ficamos parados na porta por um minuto, só para ter certeza. Quando o cliente saiu
com o sanduíche, Jimmy nos olhou novamente. Colin juntou as mãos sob o queixo como
se estivesse rezando e fez cara de cachorrinho. Uma piada besta, mas bem bonitinha.
Jimmy pegou um pano e
começou a limpar o balcão, depois levantou um braço e fez um gesto para que
entrássemos, sem nem levantar os olhos.
— Quer dizer que podemos voltar ao trabalho? — perguntou Colin quando estávamos
amontoados na porta.
Jimmy nos fitou.
— Vocês são bons garotos — disse ele —, mas na metade do tempo não sabem o que
estão fazendo.
— Não pegamos o cofre! — comecei, e ele fez um gesto para que eu ficasse quieta.
— Eu sei. Estive pensando sobre isso. Podem voltar ao trabalho.
— Eba! — Annemarie começou a bater palmas.
Colin correu batendo na mão de todo mundo, inclusive na do Jimmy, que até sorriu.
— Mas tem uma coisa — disse Jimmy quando Colin terminou a volta da vitória atrás
do balcão e na sala dos fundos. — A amiga de vocês, a pequena Miss Suíça. Não quero
mais vê-la aqui novamente. Nunca mais.
— Quem? — perguntou Annemarie.
— Acho que ele está falando da Julia — respondi.
— Você acha que a Julia pegou o dinheiro? — Colin riu. — Julia precisa de dinheiro
tanto quanto um peixe precisa de uma bicicleta.
Jimmy balançou a cabeça:
— Algumas coisas estão no sangue. Nem todo o dinheiro do mundo pode mudar o
sangue de alguém.
— O que você quer dizer com "sangue"? — Annemarie estava com as mãos na cintura.
— Que sangue?
Jimmy apontou seu grande dedo para mim.
— É como você disse: Miss Suíça, chocolate quente.
— Hã? — Colin me olhou e depois voltou a olhar para Jimmy.
Eu estava começando a entender. Annemarie já tinha entendido muito bem.
— Seu... seu porco — disse ela. — Seu porco racista.
Eu nunca tinha visto Annemarie brava. Ela estava de dar medo, e também prestes a
chorar.
Jimmy deu de ombros.
— A vida é sua. Não quero mais ver aquela pequena ladra aqui dentro. Você também
não precisa voltar.
— E não vou! — gritou Annemarie e bateu a porta.
— Mas não é por isso que eu a chamo de Miss Suíça! — eu disse.
Jimmy deu de ombros novamente, e eu saí atrás de Annemarie. Colin foi também. Nós
a encontramos chorando no meio do quarteirão, andando rápido.
Ela cuspia palavras:
— Aquele. Grande. Gordo. Idiota. Aquele. Porco. Eu. Odeio. Ele.
Colin olhou para mim.
— Eu nem entendi o que aconteceu!
Annemarie se virou e ficou de frente para nós.
— Ele acha que Julia roubou o cofre porque ela é negra.
— Tá brincando? — exclamou Colin. — Esse cara é maluco.
Annemarie então se dirigiu a mim.
— É assim que você a chama? Miss Suíça?
— Eu... não! Chamei uma vez, mas não quis dizer... Disse isso porque ela está sempre
falando sobre a Suíça, seu relógio, o chocolate e...
— É? — perguntou Colin. — Eu nunca a ouvi falando sobre a Suíça.
— Se alguém precisa de dinheiro — Annemarie disse para mim, com frieza —, esse
alguém é você, e não a Julia.
— Está falando sério? Eu não peguei aquele dinheiro estúpido!
— Esqueça — disse ela. — Quero ficar sozinha. — E saiu batendo o pé na direção da
escola.
Colin levantou as sobrancelhas e depois me mostrou uma nota de um dólar enrolada.
— Quer comer uma fatia?
Então fomos à pizzaria. Mas não foi divertido. E, ao voltar para a escola, percebi que
talvez Colin não gostasse de mim. Talvez ele apenas gostasse de pizza.
— Eu queria saber uma coisa... — falei antes de entrarmos na sala de aula. — Aquele dia
que faltaram dois pãezinhos na encomenda. Foi você que pegou?
— Foi — disse ele, ensaiando um sorriso. — Pensei que seria... Ei! Você sabe que eu não
roubei o cofre do Jimmy! — Ele me olhou com a franja no rosto, com cara de cãozinho
ofendido.
— Eu sei — apressei-me em dizer. — Sei que você não faria isso.
— Peguei os pãezinhos para fazer graça — falou ele. — Mas pegar o cofre seria, você
sabe... roubo.
— É.
Não falei com Annemarie pelo restante da tarde. Depois da leitura silenciosa, ela foi
para as aulas de arte e de música, e eu para educação física e ciências. E depois alguns
alunos do jardim de infância foram à nossa sala para cantar "Rudolph, a Rena do Nariz
Vermelho".
E depois vieram as férias de Natal.
Férias de Natal
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amanhã você vai entender
DiversosPara Sean, Jack e Eli, campeões de risadas em horas impróprias, de amor intenso e de questões extremamente profundas. A experiência mais bela que podemos ter é o misterioso. — Albert Einstein Como vejo o mundo (1931)