Capítulo 32

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Elain era o Deus da Morte.

Conseguia sentir que aquilo não era algo forçado, as duas almas dentro daquele corpo viviam em plena harmonia, sem nenhuma estar sendo coagida. Elain era uma hospedeira, não do tipo que foi possuída, talvez persuadida, mas de qualquer forma. Todo círculo íntimo ao seu lado a olhava com incredulidade, Feyre tinha seu coração partido, olhava para irmã sem conseguir enxergar ou acreditar.

— Por que? — perguntou Feyre em um sussurro.

Elain riu em escárnio, até mesmo sua postura tinha mudado para uma imponente.

— Porque me tiraram tudo — gritou — Me arrancaram de meu mundo, por sua culpa fui jogada em um caldeirão que alterou meu corpo para isso — Elain apontou para si mesma com puro ódio — Meus ossos quebraram,  e enquanto eu sentia meu corpo inteiro sendo remoldado minha mente ainda estava consciente. O homem que eu amava me deixou porque me tornei isso.

— Elain…

— Me tiraram tudo… — a mão de Elain se demorou em seu dedo anelar próximo a sua barriga — Eu fui arrastada de casa para ser usada como uma isca, alguma espécie de caminho até você. Meu corpo foi violado, se quebrou em mil pedaços e se transformou sem minha permissão, para você. Tudo isso para e por você. 

— Não me culpe por seus devaneios Elain — esbravejou Feyre — Meu coração se despedaçou em te ver naquele dia irmã.

— Mas foi meus ossos que quebraram Feyre — Elain gritou — Meu noivo sentiu nojo ao me ver enquanto você construía uma família feliz.

— Talvez a índole dele já não era das melhores — Ayla entrou na conversa com seu tom habitual, travesso e irônico de forma sutil.

Elain sorriu dirigindo seu olhar para ela por breves segundos.

— A assassina quer falar de índole — o tom de Elain subiu duas oitavas deixando de parecer com sua voz.

— Sinto o peso de tudo que já fiz sem culpar ninguém, mas e você? Se tornou hospedeira de um deus nefasto e se quer resistir, o que ele lhe ofereceu?

— Ele me abraçou quando todo resto permitiu que eu me entregasse a uma escuridão muito mais perigosa que um deus nefasto — disse Elain fria, como ninguém ali algum dia havia ouvido.

— Não seja assim irmã, sabe que não foi assim — suplicou Feyre.

Elain não conseguia mais olhar nos olhos de sua irmã. Ayla coseguia sentir um fio se enfraquecendo na ligação de almas dentro daquele corpo toda vez que a voz de Feyre preenchia o ambiente. Mas era fraco e distante, e todos os sentidos de Ayla se enfraquecem perante aquele deus, parte da reação que sentia vinha do medo crescente de não o conseguir parar. Também se questionava como as irmãs Archeron iriam lidar com a situação, se naquele momento Elain era uma inimiga de guerra ou se Ayla teria de alguma maneira ter de separar seu corpo da alma do Deus da Morte. E se não conseguisse? Isso poderia acontecer, e então ela se encontraria de frente a uma decisão de vida ou morte no mais literal possível. Poderia ser expulsa da corte por matar a irmã da grã-senhora, mesmo que em parte não fosse ela. Tantas possibilidades que deixavam os pensamentos de Ayla turvos, porque no fundo tentava mascarar a dor em notar a semelhança consigo mesma. Quando nova havia sido moldada para se tornar uma assassina, e suas razões, suas dores e raivas, foram por tempos alimentadas para moldar aquela versão dela. Elain poderia estar exatamente como Ayla um dia esteve, com seus medos e dores rasgados e expostos, para moldar a pior versão que poderia existir dentro de cada um.

Os passos ecoaram pelo ambiente, e todos congelaram enquanto com graça e leveza Elain andou até a grande porta. Amren estava congelada pela grandeza da situação que só ela poderia ter noção. Mas os outros estavam perplexos, incrédulos demais para aceitar toda situação. Assim como o baque da porta foi grande o alívio de não sentir mais a presença daquelas almas também foi, havia atravessado e por mais confortável que fosse para Ayla não poderia relaxar pois precisavam agir e se questionarem depois. Rhysand abraçou sua parceira com força olhando diretamente para Ayla, estava buscando uma direção. Ela havia lhe mostrado a verdade e agora ele estava disposto a ouvi-la o que ela pudesse lhe informar.

Corte de Sombras e CicatrizesOnde histórias criam vida. Descubra agora