Os raios do sol batem em meus olhos e me despertam para o novo dia.
O quarto de madeira, velho e empoeirado, estava vazio, todas as camas já arrumadas, menos a minha.
Me levanto e olho no espelho. Meu cabelo escuro e curto está completamente descabelado, meus olhos, como de costume, estão sem vida, sem brilho. Bem, essa não é a coisa que prende a atenção das pessoas neles, e sim o fato de que tenho heterocromia, uma condição rara que faz com que eu tenha um olho azul e o outro castanho.
Apesar de não negar o fato de serem muito lindos, isso pode ser bom e ruim simultaneamente. Não é nada bom para uma órfã como eu. Acho que esse é um dos motivos de eu nunca ter sido adotada. Aqui em Rundum existe uma crença de que isso significa maldição, não sei direito o porquê, nem nunca me interessei, claro que não passa de uma grande bobagem.
Moro num orfanato com outras 15 meninas. Como sou a mais velha, carrego um caminhão de responsabilidades nas minhas costas, sempre sou eu que faço praticamente todas as tarefas, que tenho de cuidar das mais novas, que sempre levo a culpa por tudo, isso é simplesmente desgastante. Nem sempre foi assim, estou nesse lugar desde que me conheço por gente, acho que fui mandada para cá assim que eu nasci. Não me lembro de minha mãe, e para ser sincera, eu nem gostaria de lembrar. As outras meninas sofrem muito com isso, pois a mãe morreu, foi presa e coisas desse tipo. Acho que sou muito privilegiada por não ter essas recordações, afinal, sem elas, vou sofrer pelo quê?
— Ágatha! Desce logo! — ouço uma voz rouca me chamando.
— Estou descendo!
Saí do quarto e andei até a escada caracol que sempre me aterrorizou quando criança, qualquer peso sobre ela, por mínimo que seja, faz com que ela emita um som assustadoramente alto, por conta da madeira a ranger.
Passei pela sala, e fui até a cozinha, lá estava a Dona Carla, que cuida de nós.— Onde estão as outras? — perguntei.
— Foram para a excursão que planejamos, para o parque.
— O quê? Por que não me acordaram? Esqueci completamente! Eu estava tão ansiosa!
— Tenho algo que vai te animar mais do que a excursão, confie em mim, veja.
Nesse momento, ela me entregou um envelope branco, com um brasão verde-escuro e letras douradas, "Internato Lorde Beatus de Ciência e Tecnologia". Meu coração disparou, e quando me dei conta, lá estava a resposta, lá estava o resultado de anos de dedicação, a carta que mudaria por completo o rumo de minha vida.
Cara senhorita Ágatha
Recebemos sua carta a respeito de sua bolsa de estudos, e como sua prova teve resultados excelentes, temos o prazer de informar que a senhorita foi aprovada.
Infelizmente não temos como prover uma bolsa integral, logo deverá ser paga 30% da anualidade da escola.
O ano letivo começará semana que vem, dia 1 de março, ao meio-dia, contamos com sua presença.
O material escolar será provido pela escola, assim como o uniforme, que deve ser usado em todo o período de aulas, não sendo obrigatório após o mesmo.
Saudações
Diretora Suzana CarvalhoNão consegui acreditar, enquanto meus olhos corriam pela carta, não pude conter as lágrimas, mas não eram de tristeza e sim de alegria. Passei metade da minha vida me preparando para esse momento, desde que eu decidi que eu mesma escreveria minha própria história, para ter um futuro brilhante, apesar de tudo.
— Você conseguiu, querida? Não precisa chorar.
— Eu consegui! Eu passei!
— Que notícia ótima! E a bolsa de estudos, conseguiu?
— Vou ter que pagar apenas 30%, mas não se preocupe com isso, eu trabalharei.
— Acho bom. Finalmente prestará para alguma coisa na vida. Já estou te avisando, não venha me pedir um centavo! — esse é o lado ruim de Dona Carla, ela sempre muda de humor repentinamente, nos momentos mais imprevisíveis. — Bom, mesmo assim, meus parabéns. Agora suba para seu quarto, melhor já arrumar as malas, você tem bastante coisa para empacotar. Não esqueça nada aqui, ninguém devolverá para você.
Subi para o quarto e comecei a separar minhas coisas. Não era uma tarefa muito difícil, tudo estava nas gavetas embaixo de minha cama. Algumas roupas velhas, alguns livros, meus sapatos...
Um reflexo de luz repentino me chamou a atenção, até que me lembrei do que se tratava. Era o broche que escondo desde que era pequena, acho que foi doado para cá ou algo do tipo. É uma flor muito bonita com pedrinhas verde-esmeralda. O guardei com especial cuidado, lembro que iria ser leiloado, mas eu o roubei, pois achei muito bonito.
Eu era uma criança de caráter duvidoso, hoje sei que isso foi errado, mas eu não sou louca de assumir a culpa logo agora. Todos acham que ele foi perdido durante o transporte das caixas. Se um dia Dona Carla sequer imaginar essa hipótese, vai ter uma crise de raiva, me expulsar e abandonar nas ruas. Tenho certeza disso.
Após terminar de guardar tudo, me deitei e comecei a pensar em como que eu iria pagar os 30% da anuidade. Seria difícil arrumar um emprego bom, eu não tenho experiência alguma, exceto se cuidar de crianças e fazer trabalhos domésticos conte.
Depois de um tempo, acabei adormecendo de novo, até que acordei com minha barriga roncando, não havia comido nada o dia todo.
Quando cheguei na cozinha, as meninas já estavam lá, jantando.
— Olha quem acordou. Você é muito preguiçosa, menina. Hoje deixo passar, mas amanhã volta ao trabalho. — repreende Dona Carla.
— Me desculpa, eu estava realmente muito cansada, ontem passei o dia inteiro jardinando, e passei pano na casa inteira!
— Pare de tentar justificar-se. Todas nós colaboramos, você não é nenhuma vítima aqui.
Coloquei comida no meu prato e passei o resto do jantar sem dizer uma única palavra.
— Bom, meninas, Ágatha tem uma notícia para vocês, conte a elas sobre a carta, querida.
— Carta? Que carta? — Mariana, a mais nova e falante, perguntou.
— Bem, eu passei! Fui aceita no Lorde Beatus!
Fui aclamada com palmas e muitas congratulações, a maioria estava feliz por mim, as mais novas estavam chorando. Sentirei muita falta delas.
— Não precisa chorar, gente. Prometo que vamos nos reencontrar! Nós sempre seremos uma família. Me liguem sempre que precisarem de mim. Eu sempre amarei todas vocês.
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A Maldição de Ágatha | ⚢
FantasyO quão longe pensamentos podem ir? O quão longe uma maldição pode chegar? Nesta situação, como Ágatha irá escapar? Ágatha é uma adolescente relativamente normal, bem, ao menos costumava ser. Apesar de existirem milhares de lendas sobre seus olhos (u...