Culminância

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Agora eu sabia tudo que eu precisava saber. Então por que nada ainda fazia sentido?

Bem, eu entendi que a fantasma tem alguma espécie de ressentimento contra a família Beatus, e ela desconta isso em mim.

Mas todo esse conhecimento é inútil se eu não conseguir desfazer isso.

Nos últimos dias, quebrei a minha cabeça tentando pensar em uma maneira de me livrar das visões sem que isso me mate.

O que me surpreendeu é que desde a reunião de pais, Lúcia começou a ficar muito mais carente do que o normal. Ela parece querer aproveitar ao máximo cada segundo que temos juntas, e eu realmente aprecio isso, eu amo demais essa garota, mas seria tão melhor se ela deixasse para fazer isso depois que conseguisse solucionar isso!

Mal posso esperar para o dia que em que as visões pararão de atrapalhar nossos momentos juntas...
Então recorri a minha última esperança: perguntar para o professor Heitor.

— Tem um segundo? — perguntei, após sua usual aula de história.

— Quantos você precisar. — ele afirmou, sorrindo.

— Historicamente falando, quem você acha que teria um motivo para odiar os Beatus?

— Como? — ele perguntou, sem jeito.

— Sei que você deve saber de algum podre dessa família! A história vendida não é convincente, eles não tinham escravos ou algo do tipo?

— Bem... apesar de eu não ser pago para falar podres dessa família...

— Não estou te perguntando como aluna — eu o interrompi —, estou te perguntando como amiga.
Consegui perceber o quanto ele apreciou minha fala ao ver que ele abriu um grande sorriso.

— Bom, se é assim, eles eram realmente... terríveis. — ele cochichou — Bem, os escravos que tinham eram, em sua maioria, Scelus. Foram um presente de um tratado comercial antigo, então imagine ter de desmatar sua própria terra, e erguer essa construção pedra por pedra, sendo torturados todo o tempo? Se esse castelo existe, é graças aos Scelus, mas não pela vontade deles. Eu demoraria horas para te contar todas as atrocidades cometidas nesse lugar, por exemplo, naquela torre ali. — ele apontou a pequena torre ao leste pela janela — Foi descoberto que uma escrava ainda mantinha suas crenças originárias, e as estava passando para as novas gerações, como punição, a acorrentaram no porão de lá.

— Mas... por que naquela torre?

— Porque sabiam que ela estava prestes a desabar. Hoje já foi reconstruída mas, a história continua... Enfim, existem milhares de pessoas que têm ressentimento dessa família. Foi interessante sua pergunta, mas, o que a motiva?

— Muito obrigada mesmo, mas preciso ir, depois te falo!

Estava em meu quarto, escrevendo em meu bloquinho roubado todas as novas informações que consegui, e obviamente cheguei a conclusão que a fantasma foi escrava em sua vida passada, e a minha lógica estava finalmente funcionando quando ela foi interrompida.

— Lúcia está te chamando, lá do jardim. — Stef disse, ao abrir inesperadamente a porta.

— O quê? Por quê?

Desci as escadas do castelo, e logo a achei em nosso usual local de encontros. Ela estava linda, e ao me ver, pulou em meus braços e me beijou.

— Te amo tanto, meu amor. — ela disse, em tom melancólico.

Isso estava ficando estranho demais para mim. Antes costumávamos ser espontâneas e... agora parece que todo o momento é uma despedida.

Logo já estávamos sentadas nas pedras da pequena cachoeira, e ela colocou sua cabeça em meu ombro.

— Querida, eu adoro passar o tempo com você, mas agora eu queria muito tentar achar uma resposta para isso tudo e...

— Mas precisa ser agora! — ela disse, forçando um sorriso, e apertando ainda mais meu braço.

— O que está acontecendo? — soltei, impulsivamente.

— Nada, Ágatha! Eu só estou tentando ser...

— Ser o quê? Primeiramente me responda a pergunta que você nunca respondeu: o que somos? — a interrompi. Nunca havia falado dessa maneira com Lúcia antes, e me arrependi assim que disse.

— Nós nos amamos!

Eu sempre quis ser mais do que apenas uma amante, apesar de nunca ter admitido isso.
Eu queria ser sua namorada, pela qual ela se orgulhasse, depois, talvez sua noiva, e enfim sua mulher.
E eu queria, com todas as forças que existem em mim, que ela fosse minha mulher. Só minha.

— Nunca seremos mais do que isso, não é? — respondi, com raiva no olhar.

— Isso não depende de mim...

— Claro que depende!

— Você não entende isso porque não tem família! — Suas palavras me machucaram como uma faca perfurando meu coração. — Se você quer assim, está bem! Sabe o que está acontecendo? Eu só queria passar os últimos momentos que posso com a pessoa que eu amo, mas pelo visto isso não vai ser possível!

Um calafrio me percorreu, era desespero.

— O que você quer dizer com "últimos"?

— Estou indo embora para me casar daqui a três horas. — ela olhou para mim, com os olhos frios. — É, Antônio não conseguiu cancelar essa merda, então, vá em frente e me culpe por querer aproveitar os provavelmente últimos minutos que te verei na vida!

Na vida.

A vida é muito tempo.

Lágrimas começaram a escorrer de meu rosto. Eu não posso perdê-la, eu não posso, eu não posso!

— Isso é uma visão, não é? — perguntei com minhas últimas esperanças.

— Eu queria que fosse. — ela colocou sua cabeça em meu ombro novamente, e percorreu suas mãos pelo meu corpo.

Eu sentia, além da tristeza, raiva dentro de mim. No fundo, apesar de entender sua situação, eu sabia que com uma única palavra ela impediria seu casamento, e se realmente quisesse, ela daria um jeito de namorar comigo. Eu queria não sentir isso...

Sua próxima fala parecia ter lido minha mente.

— E antes que comece, não vou abrir mão de minha família, não posso fazer isso! Eu realmente sinto muito, meu amor, mas nesse mundo não há como ficarmos juntas.

Minha última memória foi vê-la no carro de seu pai, que a levava para longe de mim, para nunca mais voltar.

A Maldição de Ágatha | ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora