A luz

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A última coisa que me lembro foi um gigante raio iluminando o céu, com uma luminosidade tão absurda que quase me cegava. Antes que pudesse tentar me proteger, o chão tremeu e eu senti meu corpo formigar.

Acho que nunca irei saber se isso foi uma visão ou não.

Quando acordei, já era meia noite. Todas as luzes do castelo estavam apagadas, me levantei, apesar da confusão e meu corpo dolorido. A tempestade não havia cessado. Comecei a tatear pelos cantos, à procura de uma vela ou algo do tipo. Por sorte, achei uma caixinha de fósforos muito velha, com apenas cinco palitos dentro.

Risquei o primeiro. Consegui enxergar pelo menos um pouco a minha frente. Andei devagar, com muito cuidado para minha fonte de luz não apagar, e consegui sair pela tapeçaria rasgada.

Era muito difícil andar pelo castelo à noite. Nesta circunstância, todas as portas, escadas e passagens pareciam iguais, e eu estava tendo uma imensa dificuldade para achar o caminho até o bloco residencial.

Eu estava parada quando senti um arrepio percorrer meu corpo. Subitamente, o fósforo se apagou, e fui obrigada a riscar outro. Depois de aceso, consegui andar mais um pouco, mas aquele lugar estava tão diferente do caminho que usualmente pego...

Após alguns minutos tentando me orientar, olhei pela janela para tentar ver algum resquício da ponte de madeira, mas a névoa era tanta, que eu não via nem um palmo à frente.

Continuei caminhando, e o palito de fósforo foi novamente apagado. O que mais me assombra foi o fato de que eles pareciam apagar-se junto com o arrepio que eu sentia, era como se a fantasma estivesse passando através de mim, apagando minha luz de propósito.

Tudo de noite parecia tão diferente. Era como se não fosse o mesmo lugar.

Depois de muito tempo, vi um reflexo de luz azul, e por incrível que pareça, fiquei aliviada por ter achado alguém. Afinal, eu sabia que ela não conseguiria me machucar, não diretamente.
Mas então me desesperei de susto ao ver que não era Cândida, e sim, um homem velho e barbudo, que carregava um machado consigo.

Logo, senti um arrepio novamente, e o fósforo se apagou. Me afastei o mais silenciosamente possível, tentando não ser percebida.

Afinal, quantos fantasmas tem aqui?

Quando o relógio na parede marcou duas da manhã, meu último fósforo se apagou. Fiquei com tanta raiva de mim mesma por não ter achado o caminho de volta! Agora eu estava ali, na escuridão total de um corredor que eu nunca havia visto na vida, com meus cabelos e roupas ainda úmidos e congelando de frio.

Então, com muita dificuldade, vi um brilho vindo de trás de uma porta. Tentei abri-la, mas estava trancada. Logo, bati.

Ouvi passos receosos, e alguém destrancou-a. Um olho azul me espiou por uma pequena fresta agora aberta.

— Ágatha? — a diretora Suzana perguntou — O que faz aqui a essa hora?

Ela me deixou entrar, e eu me sentei em uma de suas belas cadeiras de couro, posicionadas em volta de uma lareira. Acima dela, havia um quadro muito antigo de uma família.
Possivelmente a minha.

Ela me emprestou uma manta para eu me aquecer, e perguntou novamente o que aconteceu, mas nenhuma palavra foi pronunciada por minha boca.

Após tomar uma xícara de café, fiquei pensando sobre o que presenciei hoje, até que fui interrompida.

— Já desconfiava que você estava sofrendo o mesmo mal que sua mãe. — ela murmurou.

— O quê? — respondi, perplexa.

— Hm? — Ela parecia confusa, como se não tivesse percebido que falara a frase anterior em voz alta.

Após alguns segundos, mesmo não tendo considerado esta a decisão mais inteligente a se tomar, finalmente soltei:

— Eu sou a última herdeira dos Beatus, não sou? — disse eu, firmemente.

De forma inesperada, a diretora não respondeu, mas pude ver seus olhos levemente marejados.

— Não sou? — repeti.

Alguns segundos foram preenchidos apenas pelo barulho da tempestade.

— Eu me lembro de quando você nasceu. — ela finalmente admitiu. — Nunca concordei com o que fizeram... lhe juro!

— Você conhecia minha mãe?

— Ela foi uma guerreira. Minha melhor amiga. Aguentou todo esse tempo, por você. Não pense que ela não tinha coração...

— Então por que me rejeitou só por causa de meus olhos?

— Foi uma decisão difícil... ela estava muito mal, depressiva, entende?

— Resumidamente, o estopim para ela se matar foi que eu acabei sendo uma decepção muito grande. — eu disse, pessimista.

— Não diga isso... também foi culpa minha, bem, eu amava seu pai, não só como um amigo. Ela ficou tão miserável quando descobriu... ah se arrependimento matasse! E depois de alguns anos, o livro voltou, dessa vez para as mãos dele. Não importava, podíamos tentar queimar, esconder, enterrar... ele sempre retornava.

Pouco faziam diferença as palavras que ela usava, eu entendi a realidade: ela era amante de meu pai. Quanto mais eu procuro, mais podres eu acho dessa família... e sinceramente, nada mais me impressiona.

Então tive uma ideia.

Eu estava cansada de ser apenas uma peça do jogo de outras pessoas, como já afirmei antes: está na minha vez de jogar. Percebo que agora já estamos na próxima rodada.

E se minha estratégia for certeira, posso acabar com todos os meus problemas.

Bem, quase todos.

— Suzana, por favor! Chega de enrolação. Quero ir direto ao ponto. Eu quero a minha herança.

— O quê? — ela riu. — Você não pode...

— Seria uma baita história para a imprensa, não seria? "A filha rejeitada dos Beatus está estudando no próprio internato!" Acho que finalmente queimaria o nome deles, e principalmente o seu, imagine! "A diretora do Internato Lorde Beatus era na verdade a amante de Augusto"!

Ela me olhou com cara de nojo, mas isso não me importava mais. Eu apenas a encarei de volta, levantando as sobrancelhas. Após um longo silêncio, ela disse:

— A senhorita fica com vinte por cento.

— E a escola.

— Hein? De jeito nenhum! — Suzana repreendeu.

— Essa é minha proposta final. É pegar ou largar.

Ela parecia pensativa, porém após alguns instantes, ela finalmente concordou.

— Está bem, vinte por cento e a escola. Agora, por favor, tome um banho e vá para seu dormitório. — ela disse, me providenciando um lampião.

A Maldição de Ágatha | ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora