— O quê? — perguntei, sem acreditar no que tinha acabado de escutar.
— Sinto muito por esconder isso de você... não me orgulho disso, mas eu só queria dar o mínimo de dignidade a vocês.
"A biblioteca." uma voz sussurrou em minha cabeça. "Os arquivos secretos da biblioteca!"
— Eu preciso ir! — disse, com o coração acelerado e a respiração desregulada, e saí correndo em direção ao castelo.
— Pelo menos coma alguma coisa! — ela sugeriu.
Enfiei três pães de queijo em minha boca e continuei meu caminho. Eu adoro pão de queijo, e esses estão deliciosos, crocantes e macios ao mesmo tempo e...
"Foco, Ágatha!" chamei minha própria atenção.
Ao passar pelos longos corredores, finalmente me encontrei no enorme salão, recheado de prateleiras colossais dos mais variados livros.
E eu estava pronta para descobrir a verdade.
O local estava completamente vazio. Nem uma alma viva, nem morta, eu espero.Andei até as prateleiras mais distanciadas: onde ficavam os impopulares livros de psicologia. Subi a estreita escada até chegar à altura da prateleira onde me lembrava de ter achado o fundo falso, e comecei a procurar pelo mesmo.
— Tem que estar aqui, em algum lugar! — disse para mim mesma.
Então finalmente consegui encontrar o fundo falso. Peguei todos os arquivos que estavam lá dentro e desci com cuidado até a mesa mais próxima. Acendi a luminária e comecei a analisá-los.
O primeiro arquivo que peguei foi o pesado livro de registros com todas as certidões de nascimento dos familiares. Quando estava chegando ao final, achei a folha rasgada.
Quase não era possível reparar que uma página havia sido arrancada do livro, foi muita sorte eu ter visto isso daquela vez que vim aqui.
Antes da página, a pessoa mais jovem com um registro ali era Augusto Andrade de Carmo Beatus, que nasceu em 1918, contando que eu nasci em 41, ele poderia ser meu pai.
Augusto... esse nome parecia familiar.
Então caí na real: eu realmente me achava importante o suficiente para ser a última descendente da família Beatus? Provavelmente aquele broche foi dado de presente para minha mãe, talvez ela achou em algum lugar e resolveu doar para a instituição... afinal, se um Beatus decidisse me abandonar, não daria uma pista tão óbvia assim.
Apesar de improvável, essa possibilidade existia, e eu preciso de fazer minha mente pessimista (que prefere se autodenominar realista) engolir isso.
De qualquer forma, anotei essas informações em um caderninho que achei na mesa.
Peguei o próximo livro: certificados de morte. Olhei logo os mais recentes: Augusto Andrade de Carmo Beatus, que se suicidou em 1945 e Maria das Graças de Souza Beatus, que também morreu por suicídio, porém em 1942.
Isso me chocou um pouco, quando pensava na família Beatus, tendia a achar que ela já havia se extinguido a pelo menos um século. E o que me chocou mais ainda, foi ver que absolutamente todos os membros da família, após 1842, haviam se suicidado.
A pergunta é: o que aconteceu em 1842?
Anotei isso em meu caderninho.
Estava prestes a olhar os certificados de casamento e depois a documentação de compra e venda de escravos, quando um borrão de luz azul me interrompeu.
A mulher fantasma estava sentada na minha frente, fazendo seu usual gesto de bater suas longas unhas na mesa, o que por pouco não me causava ânsia, pois era horrível ver sua pele descolada dos ossos aparentes de seus dedos anelar e mindinho balançarem com seu movimento.
Apesar de tudo, eu não me assustava mais com sua presença.
— Nós temos mais em comum do que você pensa. — ela dizia, com sua voz agora gostosa de ouvir, interessada em minha pesquisa.
— Estou tentando achar alguma lógica entre os acontecimentos recentes. Você ajudaria muito se apenas desembuchasse suas intenções. — respondi, indignada com suas falas enigmáticas.
— Mesmo se você soubesse, o que acho que vai acontecer, uma hora ou outra, isso não mudará nada. Talvez fosse melhor se você apenas deixasse isso de lado e fosse... aproveitar.
— Aproveitar? Se quer que eu aproveite minha vida, desfaça sua maldição.
— Não posso fazer isso... a maldição só se desfaz quando está completa, e, sei que não vai acreditar em mim, mas eu sinto muito.
— E quando a maldição vai terminar, quando finalmente cumprir sua missão? Me diga, sua missão é me matar?
Ela não disse uma palavra, apenas encarou a superfície de madeira da mesa, com os olhos levemente marejados.
— Gosto de como pensa, não é fútil como os outros foram. Para uma garota de sua idade, é bem esperta. — ela disse, ao se virar para trás, arrastando suas correntes. — Agora fique a vontade para não seguir meus conselhos, faça o que achar melhor.
— Como você sabe o que eu penso? — perguntei, sem tirar a firmeza na voz.
— Eu acho que nós duas sabemos a resposta disso. — ela disse, antes de se tornar, novamente, uma explosão de luz azul.
— Já vai tarde! — vociferei, enquanto ela desaparecia no ar.
Ao terminar de analizar os documentos, organizei meus pensamentos.
Bem, cheguei a conclusão de que, caso minha lógica tenha a mínima chance de estar correta, Augusto e Maria das Graças poderiam ter sido meus pais, eles se casaram no final de 1939.
Ainda não consegui engolir isso. Certo, parte de mim está esperançosa, pensando que finalmente consegui responder a pergunta que sempre me fiz: quem sou eu. Por outro lado, no fundo eu continuo descrente que isso seja possível, afinal, eu não sou ninguém.
— Ei, aí está você! — ouvi uma voz vindo do outro lado da biblioteca.
Era Lúcia.
Ela trancou a porta por dentro, e logo correu em minha direção. Fiquei muito feliz em vê-la!
— Eu quero passar o tempo com você. — ela me disse, me abraçando por trás.
— Você não quer passar o tempo com sua família, querida? — perguntei, não que não quisesse ela por perto, mas pensei que ela estivesse ali só para eu não me sentir sozinha, quando sua verdadeira vontade no momento era ver seus pais.
— Eles já foram embora. Na verdade, nem tinham a intenção de assistir a reunião. Disseram que não interessava minha jornada acadêmica...
— Então por que vieram?
— Posso apenas focar em te amar, agora? — ela desconversou.
Ela estava escondendo algo. Conhecendo os pais de Lúcia, eles não são do tipo de viajar tão longe apenas para ver a filha por meia hora.
Eles vieram avisar algo.
E eu queria continuar meu raciocínio, mas agora Lúcia já estava em meu colo, minhas mãos em sua cintura, e ela logo começou a me beijar. Agora não conseguiria pensar em mais nada, a não ser nela.
Depois de um tempo indeterminado, que poderia ser alguns minutos ou até mesmo horas, finalmente paramos. Ela descansou sua cabeça em meu ombro, e parecia triste.— Preciso te contar uma coisa. — eu disse, e em seguida compartilhei com ela tudo que eu havia descoberto sobre a família Beatus.
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A Maldição de Ágatha | ⚢
FantasíaO quão longe pensamentos podem ir? O quão longe uma maldição pode chegar? Nesta situação, como Ágatha irá escapar? Ágatha é uma adolescente relativamente normal, bem, ao menos costumava ser. Apesar de existirem milhares de lendas sobre seus olhos (u...