Toda a minha infância, desde que me entendo por gente, cresci vendo os meus pais cochirarem, pararem de falar assim que eu entrava em um cômodo, também sempre vi eles saírem escondidos no meio da noite, apressados. Às vezes eu implorava, perguntava o que estava acontecendo, mas nunca obtinha respostas. Um dia desses peguei minha avó e minha mãe conversando, minha mãe chorava e minha avó a consolava dizendo que era melhor assim, que eu não precisava levar minha vida do jeito que eles levavam a deles, que eu cresceria uma garota normal e nunca, em hipótese alguma questionaria tudo aquilo. Minhas entranhas gritavam por resposta, eu precisava saber o que tinha de errado com meus pais. Talvez eu seja adotada. Certa noite na mesa de jantar, perguntei se eu era adotada, aquilo já estava me corroendo, eu merecia saber. Meus pais se entreolharam e riram. Você, definitivamente, não é adotada. Era a única resposta que eu tive. Com o tempo aquela vontade toda de saber o que tinha por trás dos cochichos e das escapadas altas horas da noite, foi passando. Mas a curiosidade, é claro, permanecia. Certo dia os ouvi brigar, brigar feio. Eu nunca tinha escutado os meus pais tendo uma briga igual aquela. Claro, eles discutiam igual qualquer casal da face da terra, mas eu jurava que daquela vez seria o fim. "O que seria de mim com pais separados?" Lembro que pensei. Ahhh! Pobre de mim se esse fosse o meu único pesadelo. Lembro que naquela noite escutei minha mãe gritando: "Eu cansei dessa vida, entendeu? Eu não quero morrer e deixar a nossa filha sozinha com tanta gente nos odiando. Se é que esse povo pode ser chamado de gente. É claro que não podem. São monstros, Mike. Você entende? São monstros e são capazes de tudo para nos arruinar. EU CANSEI. Vou sair dessa vida e não ligo pro que você pensa. Se quiser, pega suas coisas e vá embora, como prometeu que faria se isso acontecesse."
Fiquei revirando na cama a noite inteira e pensando naquelas palavras. Monstros? Arruina-los? Aquilo foi o mais perto que eu tive de uma resposta.
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sur(real)
RandomQuando pequena minha avó contava histórias de vampiros malvados, e eu adorava. Dizia para eu tomar cuidado, que eles adoravam sair a noite. Eu ria e debochava dela, porque é claro, vampiros não existem. Hoje, depois de alguns anos, percebi que a min...