Capítulo 37: uma conversa interessante

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Hilda levantou-se e fazendo uma reverência deixou o rei e a rainha sozinhos. Seu coração estava pesado de preocupação. O que aconteceria com a rainha? Aqueles dias estavam calmos e serenos com os dois se entendendo de uma maneira tão bonita que ela ficava emocionada só de lembrar.
Apressando o passo ,ela decidiu avisar ao marido que havia algo acontecendo com o rei.
Possivelmente algo com suas lembranças.
Será que a rainha estava em perigo? Sem pensar duas vezes, Hilda correu na direção onde sabia que Lorde Joran se encontrava.
E que Deus protegesse a rainha da ira do rei!
..,
Margery olhou tranquila para Theo. Os dias de sol haviam terminado.
Ela sabia pelo olhar dele, que a dúvida era somente uma sombra da realidade que se interpunha novamente entre eles.
-Quem sou? Sou Margery, filha do rei Allard, criada livre nestas terras de Brugnaro. Não era uma princesa comum, meu rei. Eu era uma menina apenas, criada na vila junto com as outras crianças. Minha mãe, a rainha Katter, morreu e quase não me lembro dela. Por isso não aprendi as coisas que geralmente uma princesa aprende.Por isso, talvez estranhe que eu não saiba bordar ou fazer outras coisas que as princesas fazem. Aprendi a andar a cavalo com os cavaleiros de meu pai. A liberdade era a minha aprendizagem.
Theo sentia a dor de cabeça esvair no mesmo momento. Sentou-se na cama, de frente para ela. A mulher de cabelos vermelhos tinha os olhos verdes fixos nos seus. Ele decidiu deixá-la falar, pois sua cabeça estava confusa e, a desconfiança era eminente. Era uma sensação profunda de alerta que o levava a a acreditar que a confiança é aprendida e a desconfiança também. E ele sentia que ela o havia ensinado sobre isso.
Margery continuou, e a entonação dela mudou. Essa parte da sua vida, ela gostaria de esquecer. Perder as lembranças seria uma benção, e nessa hora, ela pensou que a perda de memória tinha que ter acontecido com ela e não com seu marido.
-Quando fiz quinze anos tive que me casar com o príncipe Malaki e minha vida  se transformou num inferno na terra. Sofri todos os tipos de abuso, meu rei. Todos que possa imaginar e mais alguns da mente doente de Malaki. Até que meu pai morreu e eu fui exilada, e lá, naquela prisão, mataram minha alma.
Theo a ouvia e aos poucos tudo ia fazendo sentido para ele. Margery, Diot, sua maquinação de falsidade para matá-lo. Mas não iria dizer a ela o que se passava em sua mente. Não iria lhe dizer que se lembrava de tudo. Ia ouvi-la e saber se  ela cumpriria com a sua promessa de não mentir mais para ele.
-Até que fui salva por um antigo cavaleiro de meu pai, que havia se tornado um mercenário.
Não posso mentir para milorde, que me tornei uma excelente espadachim. Cacei um por um dos soldados que haviam abusado de mim naquela ilha. Eu sei que o exílio não foi responsabilidade deles, mas o que eu passei na mão de cada um, sim. Eles tiveram o que mereciam.
O rei levantou-se e andava de um lado para o outro lentamente, pensando que se ela não tivesse tomado as providências com esses homens, ele mesmo o  faria.Era inaceitável que um cavaleiro abusasse de uma mulher fragilizada e sozinha, e ainda mais, sendo ela uma rainha! Eles merecerem o que receberam. Theo a olhou. Ela era frágil e pequena. Seu ventre protuberante a tornava ainda mais vulnerável, mas ele podia sentir a força que emanava dela. E a história que ela lhe contava até ali, era a mesma que havia mandado averiguar. Até ali ela lhe dizia a verdade. Veria o que vinha a seguir.
-Soube então do que aconteceu no meu reino.É difícil aceitar que o que é seu por direito está nas mãos de um estrangeiro. Malaki estava morto, mas eu precisava terminar com tudo. Precisava me livrar dos meu inimigos  E, na minha cabeça, milorde era meu maior inimigo. Era um obstáculo entre eu e o meu trono.  Eu vivia uma odisseia de emoções. Eu havia passado por tantos abusos e restrições que a vingança, era o que me movia. Todos eram culpados do que eu havia passado. Eu não conseguia deixar de pensar, que... que milorde havia tomado algo meu. E sim, muitos já haviam feito isso antes de você.
Theo estava incomodado. Havia uma tristeza tão profunda na voz de Margery, que ele queria apenas abraçá-la. Esquecer. Beija-la. Deixar tudo pra trás. Aquecê-la. Esquecer para sempre tudo aquilo e amá-la como ela bem  merecia.
Margery levantou-se e posicionou ao lado de Theo. A sua vontade era se entregar ao seu abraço. Queria sentir seu corpo junto ao do marido para que ele pudesse consola-la de tudo o que havia passado. Mas o corpo tenso de Theo lhe passava mensagens para que não se aproximasse.
-Então fiz um plano simples. Entrar em Brugnaro, conseguir chegar até a passagem secreta, chegar até...até milorde e ceifar sua vida e depois, me proclamar rainha do meu povo novamente.
Theo engoliu em seco. Um plano simples. Um plano perfeito, ele diria. A simplicidade do plano era o que tornava ele tão perigoso.
Margery então foi até a janela e torceu as mãos. Estava nervosa. Chegou o momento de contar o que mais queria guardar. Seu segredo íntimo que não ousaria contar a ele se ele tivesse  recuperado suas memórias, mas como ele as havia esquecido, decidiu abrir seu coração.
-Então me aproximei de vossa majestade e em bem pouco tempo, minha motivação foi-se esvaindo. Quero dizer sem parecer prepotente ou mesmo sem lhe faltar ao respeito que me apaixonei por milorde. Talvez desde o primeiro minuto que meus olhos encontraram o seus.
Eu o amei assim que o vi e a cada dia, minha vontade de matá-lo se transformava em vontade de tê-lo para mim a vida inteira.
O coração de Theo acelerou e suas pernas bambearam. Ele precisou se sentar para que não caísse bem na frente de Margery.
Todas As lembranças voltaram nesse momento. Ele vivia um grande conflito. A escurava sem acreditar, entretanto ciente de que o mesmo havia acontecido com ele.
O amor havia tomado conta dele assim que a viu pela primeira vez, no corredor escuro segurando uma vela nas mãos. Ele a amou ali naquele exato momento, por isso era tão doloroso saber que mesmo o amando, ela ainda queria tirar sua vida.
-Na nossa viagem a Craig eu já havia deixado de seguir  o plano. Milorde já estava assentado em meu coração, e foi então que descobri o segredo milorde guardava e isso despedaçou minha alma.
Confuso, Theo a olhou. Um segredo que ele guardava? Será que não havia se recordado de todas as suas lembranças?
Curioso, ele perguntou:
-Que seria?
Margery virou-se para ele com lágrimas nos olhos.
-Milorde está preparado para saber?
Com a curiosidade aguçada, Theo respondeu rápido:
-Certamente.
Margery sentou-se na cadeira, ajeitando a longa camisola sobre o corpo e os pés. Estava encabulada de ter que revelar algo tão íntimo da vida do rei. Mas estava disposta a lhe contar tudo e torcer para que sua memória voltasse o mais rápido possível para que ela saísse daquela tormenta que vivia. Acuada entre o prazer de estar com ele e com medo da recuperação da memória voltar, e ele voltar a ser o homem frio e distante que a repudiava em todos os sentidos.
-No banquete de apresentação do príncipe Mattia, ouvi uma conversa entre milorde e a princesa Aysha, onde revelavam seu amor um ao outro. Foi ali que percebi que milorde apenas queria me usar, assim como todos os homens que passaram pela minha vida. Minha vingança então, se tornou novamente prioridade. Descobrir que milorde mantinha uma relação íntima e secreta com vossa alteza, me deixou deveras perturbada, pois eu já o amava com todas as forças do meu coração. E foi aí que milorde descobriu que eu havia mentido. E já não havia muito o que fazer.
Theo quase sorriu. Possivelmente ela não havia escutado a conversa toda. Aysha havia lhe revelado seu amor fraternal e não o amor entre um homem e uma mulher. O tipo de amor que ele sentia por Margery.
Mas decidiu se calar.
Aquiela conversa estava ficando bem interessante.

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