Cspitulo 3: Margery

353 49 5
                                    

Margery olhou a sua volta e a escuridão da floresta a envolveu profundamente. Gostava de estar ali, pois o sentimento de liberdade a fazia muito bem.
Sentir-se livre também lhe trazia lembranças de um tempo de dor e sofrimento que havia vividor desde que seu pai, Allard, foi obrigado a casa-lá com o príncipe Malaki.
Ela havia sido criada com sua mãe, a rainha Aila e suas damas de companhia. Brugnaro era um lugar tranquilo, um pequeno reino no meio de três grandes reinos: Walden, Craig e Dalibor. Brugnaro era essencialmente agrário e seu pai era um vassalo direto do imperador e não tinha muito prestígio na corte de Anien. Mas seu pai não se importava. Tinha uma relação direta com os camponeses e não faltava nada no castelo e muito menos para os camponeses.
A corte de Brugnaro também não era muito requisitado tendo apenas  alguns marqueses de pouca importância e cavaleiros que serviam a seu pai.
Margery não tinha a compreensão das relações políticas e sociais do reino. Ela era uma princesa, mas não participava das convenções reais. Não tinha tutores, portanto não aprendeu a ler, também não gostava de bordar nem de costurar, sua vida era ao ar livre, nadando no rio, brincando com os animais, correndo junto com as crianças camponesas.
Até que aos quatorze anos ficou noiva de Malaki.
Malaki era o terceiro filho do rei Adney, um obscuro e pequeno reino que não fazia parte do império de Anien.
No reino de seu pai, pela hierarquia, ele nunca chegaria a se tornar rei, então, e desde muito jovem, Malaki saiu viajando e conhecendo vários reinos, sempre observando, para astutamente, alcançar bons e gratificantes cargos de confiança para continuar vivendo como um bon vivant.
A parte da herança destinada a ele, há muito já havia sido gasta e beirando os quarenta anos, sem prestígio e sem fortuna, ele se instalou na corte de Brugnaro.
Vendo que havia uma forte movimentação contrária a reinado do bastardo, Malaki foi percebendo a fragilidade do rei Allard, que o via como um cavaleiro, um príncipe de sangue azul.
Malaki a princípio demonstrava ser um homem justo e assim acabou conquistando a confiança do bom e velho rei que via neste homem a possibilidade de Brugnaro continuar sendo um ponto de apoio importante para Walden, como sempre havia sido, desde muitas gerações,
Para assegurar  sua forte presença política em Brugnaro, Malaki ameacou Allard, dizendo que iria embora, pois não havia nada que o prendia ali. Numa reunião do conselho, Allard foi orientado por seus conselheiros  a dar Margery, sua única filha como esposa de Malaki. Pois nessa época ele  ainda era visto como um homem de princípios e o único capaz de salvá-los de uma insurreição vinda de Walden, fato este, que estava muito distante de acontecer, mas que preocupava Allard,  que ficou muito receoso depor causa  da manipulação perversa e explícita de Malaki.
Allard tinha um princípio desde que havia se casado por amor com sua esposa a rainha Aila,que  o casamento de sua filha, seria por consentimento e não uma obrigação que ela precisasse cumprir.
Mas com a pressão do conselho e a manipulação de Malaki, Margery se viu casada aos 15 anos de idade.
Margery suspirou. Aqueles dias foram os piores de sua vida. Suportar a presença sufocante e agressiva do marido a fizeram  perder a vontade de viver.  Assim que se casou, Malaki exilou seu pai na ilha Brishen. Ela continuou em Brugnaro sendo abusada fisicamente e sexualmente todos os dias durante dois anos.
Ela não podia sair de seu quarto, era proibida de conviver com damas de companhia e mulheres nobres. Só se comunicava com o velho mordomo chamado Bronson, que assistia aquilo tudo completamente aturdido.
Como as coisas foram acontecer daquele jeito!
A pobre princesa Margery que era tratada como uma pérola, era agora relevada ao seu quarto, vestindo trapos e comendo apenas uma vez por dia!
Admirava que os conselheiros do rei Allard, sempre tão bom e justo concordasse com aquela barbarie que estava acontecendo em Brugnaro. Talvez, o medo falasse mais alto. Pois os contestadores  estavam apodrecendo nas masmorras e o carrasco tinha fila para as execuções públicas.
Assim que o rei Allard, faleceu no exílio, ela se viu sendo coroada como rainha regente pelo Bispo de Brugnaro,  numa cerimônia simples, onde a coroa de seu pai foi colocada sobre sua cabeça e no mesmo dia foi tirada por Malaki que passou usá-la como símbolo do seu poder. Ele se tornou o príncipe consorte de Brugnaro, mas agia e queria ser obedecido como se fosse o rei.
Com a morte de seu pai, Margery conheceu os piores momentos da vida de um ser humano. Malaki em busca do poder absoluto, a exilou na ilha de  Brishen onde Malaki pagava para um bando de mercenários  a mantivessem  na mais absoluta reclusão, assim como fez com seu pai.
Ela não podia sair do castelo, e ninguém  sabia que ali residia uma mulher, uma rainha exilada  numa masmorra fétida, traída por um maldito príncipe manipulador e tirano.
No começo, os homens ainda tinham algum respeito por ela, mas  com o passar dos anos, sem o prestígio que lhe era consagrado, ela teve que se submeter aos abusos sexuais dos guardas. Passava noites de pânico absoluto quando ouvia o barulho da espada se arrastando nas paredes. Este era o sinal que lhe davam para a noite que iria ter.
Apavorada com o que vivia, ela decidiu que iria ter que salvar a si mesma daqueles homens abusivos, e então, numa noite, quando eles chegaram, ela estava toda suja de sangue, enrolando a língua e com um rato morto na mão, dando a entender que o bicho era seu alimento.
Ela teve que matar o pobre rato para poder sobreviver aqueles abusos. Foi um momento terrível ter que fazer toda aquela encenação. Mas era isso, ou continuaria a ser molestada noite após noite. Os guardas pensaram que ela havia enlouquecido e saíram assustados chamado-a de bruxa dos infernos.
Margery ficou aliviada. Tinha sido um plano impresivel, mas que no fim, havia dado certo.
Havia quatro anos que  estava naquela ilha. Sua saúde não estava boa, e ela só pensava em sair dali o mais rápido possível.
Depois do incidente do rato, os homens jogavam a  sua comida de longe e sequer olhavam para ela, traziam nas mãos crucifixos, e a chamavam de bruxa. Ela  aproveitou as crenças deles, e passou a uivar  todas  as noites somente par assusta-los  ainda mais.
Acabou se divertindo um pouco com a situação. Sabia que a maioria das pessoas acreditavam que as bruxas realmente existiam e então, foi fácil transformar uma tentativa de salvação , em um fato concreto. Um belo dia, notou que havia  alguns dias que não ouvia nem via ninguém.
Então percebeu que  os guardas haviam ido embora. O grande cadeado que a prendia na cela, ainda  seria seu grande impeculho.
Mas ela não iria morrer ali! Não iria mesmo!
Com as duas mãos,  arrancou pedras da parede e bateu no cadeado dias e noites, só parando para dormir algumas horas. Um belo dia, o cadeado se rompeu e cautelosamente, ela subiu as escadas da masmorra e se viu, pela primeira vez em muitos anos, ao ar livre.
O sol da manhã a aqueceu e ela chorou como uma criança. Um desamparo tomou conta do seu coração.
Nunca havia estado sozinha, por sua própria conta, sem ninguém mandando ou abusando dela.
Estava com medo? Muito. Mas precisava sair dali o mais rápido possível.
A ilha estava deserta, não tinha vestígios de pessoas por ali. Então, decidiu explorar o lugar  e acabou encontrando  dentro de uma caverna, uma canoa abandonada, com um tronco de árvore, ela fez um remo,  e resolveu enfrentar o mar desconhecido. Preferia morrer tentando se salvar, do que ficar naquela ilha e  ter a surpresa indesejável  do retorno daqueles homens horríveis
Margery ficou em alto mar por dias, até que chegou numa praia praticamente inconsciente. Algumas horas depois um grupo mulheres a recolheu e a levou para uma vila escondida dentro de um vale e nem distante da praia. A situação de Margery era precária. Sua pele estava desidratada, e a pele de seus lábios estava como lâminas.Seu corpo era apenas ossos e ela mal sabia dizer seu nome. Margery teve febre durante dias, mas ela lutou pela vida e depois de uma semana, , abriu os olhos e viu Svern.
Svern a reconheceu imediatamente e sabia quem ela era, mas não falou para ninguém. Numa manhã entrou na tenda onde ela se recuperava e fez uma reverência.
-Vossa Majestade.
Ao ouvir Svern falar isso, Margery começou a chorar copiosamente. A tantos anos  não era tratada com dignidade, que não suportou a lembrança de uma vida que não existia mais.
Svern a consolou desajeitamente.
-Nao queria fazer milady chorar.
Entre lágrimas, Margery não conseguia se expressar com coerência. Estava assustada, desorientada, e muito, muito cansada
Então Svern lhe contou que foi expulso de Brugnaro, após a morte de Allard, suspeito de insubordinação. Também soube pelo ex soldado que Malaki havia se transformado em um tirano, um homem monstruoso. O velho cavaleiro lhe disse que conseguiu fugir para aquela ilha e havia se juntado com a um grupo de mercenarios, ex cavaleiros que foram ex patriados,  e que agora lutavam  sobre sua liderança, por dinheiro,  independente da bandeira do reino.
Margery ouvia tudo atentamente. Aquelas eram notícias tenebrosas sobre Brugnaro.
-Todos pensam que vossa Majestade morreu. Pelo menos, foi isso que Malaki pronunciou na corte. Fez até alguns dias de luto por milady. Mas eu reconheceria vossa majestade em qualquer tempo e lugar. Eu a vi crescer e, me desculpe, seus cabelos são difíceis de esquecer.
Margery quase sorriu. Svern era um Velho soldado de seu pai. Seu físico ainda estava em forma, mas seus cabelos brancos indicavam a passagem do tempo.
-Então, Malaki me matou.
Svern assentiu.
-Sim, milady. É preciso dizer que as últimas notícias de Brugnaro é que Malaki está morto e Theobald de Walden tomou o poder e se sagrou o novo rei de Brugnaro.
Margery estava assustada com o que ouvia, mas sentiu una força emergir do fundo do seu coração e da sua alma.
-Deixe-me juntar ao seu grupo. Preciso aprender a lutar. E assim que aprender, vou voltar para o meu reino e reconquistar o meu trono.
Svern a olhou com preocupação.
-Nso posso fazer isso isso, milady é uma rainha. Deve reivindicar seu trono imediatamente junto ao imperador.
-Não! Quem coroou o bastardo como rei de Walden?
Svern coçou a cabeça. Não podia permitir que uma rainha se juntasse a um punhado de mercenarios nômades.
-Milady não quer reconsiderar? Se por acaso, se juntar ao grupo, ninguém poderá saber de sua verdadeira identidade.
Margery tentou levantar, mas sentiu uma tontura
-Não me importo com isso. Mas preciso de sua ajuda,  Svern. Esqueça quem eu fui. Quem está diante de você agora, não é a princesinha que você conheceu, diante de você está uma mulher que vai lutar pelos seus direitos. Nem que para isso, eu precise matar quem entrar no meu caminho!

O Rei Bastardo Onde histórias criam vida. Descubra agora