2 - Gabriel

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Todos os dias o sol nasce e morre, mas tem alguns lugares onde o sol não nasce. Um desses lugares é o escritório deste homem.
O sujeito sentou em cima da mesa e levantou a placa de identificação.

"Sr. Gabriel Muller"

Não tinha um cargo nessa placa, mas o pronome de tratamento no início me fez tremer um pouco.

- Acabei de verificar. Você é a Emily Downson. Pelas minhas contas tem 22 anos, e é bem ingênua. - Ele riu baixinho. -Mas eu gostei de você. Vamos almoçar juntos, Emily.

Gabriel levantou da mesa, e estendeu a mão pra mim. Eu fiquei me perguntando se ele iria dispensar a entrevista e me contratar logo por gratidão, ou se ele ia me recompensar por trabalhar de graça.
Eu levantei e o segui. Surpreendente, não tinha tantas pessoas como antes. Parecia mais vazio e quieto.
Nós descemos de elevador até o estacionamento no subsolo.
O senhor Muller se dirigiu a um carro que estava em uma vaga vermelha e tinha o seu nome. O carro era um Volvo branco tão limpo, que eu podia comer nele.
Eu estava indo almoçar com um ricaço lindo! E que Deus me perdoe, mas esse é o momento nos filmes de comédia onde a protagonista é atropelada por um bêbado, e acorda do sonho.
Ele abriu a porta para mim e eu entrei ainda meio desconfiada de que estava dormindo. Eu tinha certeza que a qualquer momento eu ia acordar e estaria cochilando no sofá do escritório, ainda esperando ele.
Gabriel entrou logo depois de mim e deu partida no carro.
Não consegui prestar a atenção no caminho que estávamos fazendo porque estava ocupada demais surtando por dentro. Só acordei quando o homem abriu a porta para que eu saísse. Estávamos em frente ao Lorenzo, um dos restaurantes franceses mais chiques da cidade. Eu só tinha visto foto porque seguia a conta de Instagram do restaurante.
Gabriel pegou a minha mão e me conduziu até o lado de dentro do restaurante. Eu estava tão anestesiada pelo toque de nossas mãos que não ouvi nenhuma palavra do que ele tinha falado com o recepcionista, nem o que falou comigo.
Nos sentamos em uma mesa bem isolada no segundo piso, e logo um garçom bem francês chegou. Não sei se era pra se exibir, mas o Muller falou com ele em francês o tempo todo. Eu não entendi nada, na verdade me segurei pra não rir.
Assim que o garçom saiu Gabriel se aproximou de mim.

- Você come carne né? Pode comer doces também? - Me perguntou enquanto olhava para as minhas mãos que não paravam de bater na mesa.

- Sim e sim. Eu como tudo.

- Pare de bater na mesa, assim eu posso pensar que está nervosa com a minha companhia. Você está?- Colocou o dedo indicador sobre a minha mão.

- Não, Senhor! Eu apenas não entendi por que estamos aqui.

-Bem, você sabe em que prédio entrou?

- Entrei no prédio 89, senhor.

- Não entrou não. Você entrou no 98. O prédio da La Plata.- Ele falou sorrindo quase que maliciosamente.

- O prédio da La Plata? Impossível! Eu fui fazer uma entrevista de... - Eu nem cheguei a completar a frase e pensei direito. O logo na recepção. Um LP, no escritório dele tinha um adesivo de um L e um P, o copo de whisky, e as rendas caras nas modelos. - Como eu não percebi isso antes? Por isso tinha tantas modelos usando lingerie! - Tapei a boca assustada.

- Bem, então você confundiu com o prédio ao lado. É um pequeno escritório de marketing que fica no 7° andar. Eles colocaram um anúncio de que precisavam de secretária. Você perdeu a sua entrevista.

- Meu Deus! Eu sou tão burra... - Falei baixo.

- Você me ajudou bastante hoje. Eu não sabia que a minha secretária nova só viria a partir de amanhã, então eu ia acabar tendo dificuldades. Obrigada por isso. Não sei reconhecê-la por que não a vi pessoalmente, só vi o currículo, então desculpa. - sorriu. - Mas eu não sei como você não viu uma placa em cima do prédio com o nome "La Plata". Devo pedir para colocarem uma maior o mais rápido possível.

- Acredito que eu não tenha visto por falta de atenção. Desculpe pelo transtorno.

- Não peça desculpas para mim. Você que saiu perdendo. - Gabriel deu uma risadinha. - Você trabalhou bem apesar de não ter sido contratada. Eu até te contrataria no lugar da Caroline, mas não gosto de quebrar contratos. - Encostou as costas na cadeira.

O garçom apareceu de novo segurando uma garrafa de vinho e duas taças de cristal. Apoiou-as na mesa, serviu o vinho tinto nas taças e saiu logo em seguida.

- Você bebe? - Estendeu a taça na minha direção como se fosse me oferecer.

- Não muito. - Dei um pequeno gole no vinho. Era amargo demais.

- Bem, você é bem ingênua mesmo, mas não acha que eu te chamei aqui atoa, acha? - Gabriel

- Na verdade não sei bem, senhor. - Me senti um pouco desconfortável.

- Está precisando de emprego, né? Mora sozinha e não tem quem possa ajudá-la.

Eu até ia ficar assustada com meus dados vazados, mas foi até aceitável.

- Exatamente. O senhor não tem nem uma vaguinha de secretária da secretária?

- Não. - Ele deu um gole longo no vinho. - Mas eu tenho uma outra vaga disponível.

- Por favor me contrate!

- Se acalme aí. - Deu um leve sorriso.

- É pra trabalhar na minha casa, não na empresa. Mas não é um trabalho convencional. Mas antes de falar sobre negócios, vamos terminar o almoço.

Eu tomei mais alguns goles enquanto esperávamos a comida só pra aliviar a tensão, e quando menos esperava, o garçom já estava trazendo outra garrafa. Bebi mais um pouco e logo a comida chegou e o garçom anunciou contente "Magret de Canard" e eu tive certeza que não fazia a menor ideia do que ia comer, mas continuei quieta. O sabor era incrível.

Enquanto estava comendo, recebi uma mensagem e não pude evitar de espiar o conteúdo dela.

Tio Alejandro: Querida, desculpa ficar te cobrando.

Tio Alejandro: Sei que você não tem dinheiro, mas a pequena Maria está internada e não temos dinheiro para pagar o hospital.

Tio Alejandro: Pode por favor nos pagar aquele dinheiro que nos deve?

Eu senti um aperto de desconforto e meus olhos se encheram de água. Eu odiava dever à minha família por que eles também eram ferrados.

- É falta de educação usar o celular à mesa. - Gabriel me olhou com um tom julgador e uma lágrima escorreu.

Nós terminamos de comer em silêncio total.

Gabriel me guiou até o seu carro, nós entramos, mas Gabriel não seguiu o percurso.

- Por que estava chorando? - Ele olhou pra mim.

- Só um problema familiar.

- Eu posso resolver os seus problemas se você for minha.


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