Logo na manhã seguinte, Haku seguiu direto para o escritório de Takako, contar o que vira em seu sonho. No entanto, ela não estava lá.

Um dos funcionários informou que ela e Sayuri souberam da chegada de um herdeiro youkai e foram recebê-lo na entrada do distrito. Haku correu para o local, e ficou surpreso ao encontrar uma pequena multidão, aparentemente zangada. Ao se aproximar, distinguiu entre as vozes alteradas:

— Eles são monstros!

— Tirem-nos da nossa cidade!

— São perigosos!

A raiva da multidão era direcionada a um homem que se encolhia atrás dos seguranças do clã, que barravam o avanço das pessoas. Takako e Sayuri tentavam acalmá-las enquanto isso. A mais velha quase precisava gritar para ser ouvida.

— O clã Kairiku se dispôs a prestar auxílio a qualquer legado que nos pedir. É o que vamos fazer!

— Esses tipos são perigosos! – alguém gritou. Foi a vez de Sayuri anunciar:

— Como encarregadas oficiais de qualquer questão relacionada a assuntos mágicos, os legados estão sob jurisdição das nossas miko! Se eles forem ameaça para alguém, nós é que vamos cuidar disso. Então deixem tudo com a gente!

Ela falou a última frase com uma raiva tão incisiva que a maioria da multidão se calou, e o restante reduziu suas reclamações a murmúrios. Com os ânimos menos exaltados, os seguranças conseguiram dispersar a turba, e Takako voltou-se para o homem, que já saía de trás de Yukio e Hiro.

— Seu nome é...

— Akio, às suas ordens.

Haku se perguntou se ele era mesmo um herdeiro. Akio parecia mais amedrontado que qualquer outro que já vira, e devia ser mais velho que todos os outros também. Haku chutaria que devia ter quase trinta anos, então destoava dos que conhecera até agora.

— O que pudermos fazer para ajudar, estamos à disposição – Takako falou polidamente – Ainda estamos nos primeiros estágios, mas já disponibilizamos um curso de controle para os legados aprenderem a canalizar sua energia...

— Controle? Canalização? Não, acho que a senhorita entendeu errado. Não quero aprender a usar essas... coisas. Quero que tirem isso de mim.

Isso pegou Haku e as duas miko de surpresa. Uma Sayuri boquiaberta conseguiu articular:

— O senhor deseja se livrar de seus dons?

— Sim, por favor. Eu não quero isso, só me causou problemas. Quero a minha vida de volta.

As primas se entreolharam, chocadas não apenas por não esperarem aquele pedido, mas por não terem considerado a possibilidade de um legado não querer os poderes que tinha. Takako foi a primeira a se recompor e falar:

— Vamos conversar no meu escritório. Acompanhe-me, por favor.

Ela foi na frente com Akio, enquanto Sayuri e Haku seguiram mais devagar. O rapaz comentou:

— Você conseguiu calar a boca daquele bando de idiotas. Foi demais.

— Sim – ela respondeu distraidamente, uma expressão anormalmente séria em seu rosto. Aquilo não era certo, parecia que o semblante estava deslocado no rosto costumeiramente sorridente da miko do mar.

— O que foi, Sayuri? Tem algo te incomodando?

— Estou meio cansada – ela suspirou, massageando os olhos – Muito trabalho, muito o que pensar.

Aquilo sim era uma surpresa, ainda mais considerando que ela aparentara estar bem na noite anterior. Sayuri sempre fora o tipo de pessoa que enfrentava as dificuldades com um sorriso no rosto; vê-la de outra forma era desagradavelmente estranho.

— Por acaso não teria algo incomodando você? – a jovem devolveu a pergunta para ele – O que o trouxe aqui tão cedo, se nenhuma de nós te chamou?

— Ah, sim, é mesmo – Haku hesitou. Sempre esquecia que Sayuri era bastante perceptiva quando queria – Eu vim dizer... Bem, acho que não era nada demais.

Depois de presenciar a cena com a multidão, o rapaz achou que talvez as sacerdotisas já tivessem problemas o suficiente para lidar, e talvez fosse só um sonho mesmo. Talvez não fosse realmente importante, só a sua preocupação tomando forma em um pesadelo.

— Vamos, Haku, se você tem algo a dizer que não tenha a ver com isso, eu adoraria uma pausa.

— Eu... Eu tive um sonho.

Sayuri recostou-se no muro de uma casa e olhou para Haku com curiosidade.

— Sobre o quê?

— Sobre Mikoto – ele murmurou, ainda incerto se devia fazê-lo. Sayuri arregalou os olhos.

— Você a viu? O que aconteceu no sonho? Quero saber tudo.

Quando Haku terminou de descrever o sonho, dando o máximo de detalhes que conseguia, Sayuri estava boquiaberta, seus olhos quase saltando das órbitas de medo, e o rapaz apressou-se em argumentar:

— Mas pode não significar nada, não é? Foi só um sonho.

— Não acho que tenha sido só um sonho, e tenho certeza que Takako concordará comigo. Venha.

Ela saiu em disparada para o prédio administrativo com Haku em seus calcanhares. Ele esperava não ter cometido um terrível erro ao contar aquilo.

O recém-chegado, Akio, deixava a sala amarela quando os dois chegaram, e não parecia muito satisfeito. Sayuri perguntou a uma Takako com uma expressão cansada ao entrar no escritório:

— O que houve?

— Garanti que tentaríamos suprimir o lado youkai dele – a miko da terra suspirou, massageando as têmporas – Não faço ideia de como fazer isso, então acho que o pessoal da biblioteca acabou de ganhar mais um trabalho. Não acredito que não pensamos que pode haver legados que não queiram ser legados. Como pude deixar essa passar...

— Ei, prima, calma. Isso é o de menos agora. O Haku aqui trouxe uma novidade.

Ele repetiu o sonho para Takako, cujo semblante se alterou para uma expressão mortalmente séria e ela ficou de pé.

— Acho que isso é um sinal de que já esperamos demais. Temos que nos mobilizar para resgatar Mikoto imediatamente.

— Bem, Yumeko e Kouta disseram que precisam de alguns materiais para irmos...

— Seja lá o que for, daremos um jeito de conseguir. Já demoramos tempo mais que suficiente. Quero falar com Kouta e Yumeko, e uma equipe arrumando os preparativos para nossa partida hoje mesmo – Takako tinha a expressão que Mikoto chamava de "igual a Megumi-sama".

Haku contemplou a miko exibir de novo toda a sua força original, impressionado. Ao seu lado, Sayuri não podia estar mais animada.

— Estamos de volta! E vamos resgatar Mikoto!

O Conto da Donzela CelestialOnde histórias criam vida. Descubra agora