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— Pegou tudo que precisa? Não esqueceu de nada?

Era a terceira vez que Takako fazia aquela pergunta, enquanto esperavam a chegada do trem. De costas para a prima, Sayuri revirou os olhos, e Mikoto apenas abafou um suspiro. A miko mais velha agora a lembrava de Megumi-sama, também bastante meticulosa, mas esse pensamento causava uma pontada em seu peito, então o afastou.

Naquela manhã, após uma refeição na qual Mikoto quase não conseguiu engolir nada, ela foi para o quarto, pegou o celular e fez uma videochamada para sua amiga Yona, em casa.

— Mikoto! Oi! – ela exclamou – Finalmente terminou o seu retiro de miko? Você está ligando para dizer que vai voltar hoje?

— Eu...

— É a Mikoto?! – a visão da câmera girou, Yona sumiu e Sakura ocupou a tela – É você!

— Megumi-sama contou que o clã Kairiku ligou, e que você terminou aquele curso, ou era retiro, sei lá – Yona a empurrou para reaver algum espaço de tela.

— Você está voltando? – Misaki não estava à vista, mas a voz dela, suave como sempre, perguntou timidamente.

— Sim – a mentira pulou de sua boca antes que ela pudesse impedir, então tratou de se corrigir – Mas... não agora.

— O quê?

— Por quê?

Mikoto comprimiu os lábios. Agora que contara uma mentira, não podia voltar atrás, seria mais fácil prosseguir com isso.

— São só uns últimos assuntos para resolver, nada muito complicado. É coisa de um dia, e se não tiver nenhum outro problema, amanhã mesmo pego um navio para casa.

— Ah, que bom – Sakura exclamou radiante. Yona perguntou:

— Você quer que a gente conte isso para a sua avó?

— Sim, por favor.

— Certo então. A gente se vê em uns dois dias?

— Sim – Mikoto sorriu, esperando que sua expressão não transparecesse todo o medo que sentia, e que suas mãos trêmulas não derrubassem o celular.

— Então até mais!

— Tchau, Mikoto!

— Até!

— Tchau – sua voz saiu num sussurro embargado, e uma vez que a ligação se encerrou, uma cascata de lágrimas jorrou de seus olhos como uma represa rompida.

O celular deslizou para o lado de Mikoto na cama, a jovem abraçou os joelhos e enterrou o rosto neles, na esperança de abafar seu choro.

O que ela fizera? Se Megumi-sama pensasse que a neta voltaria para casa e ela desaparecesse pela terceira vez, o que seria da pobre velha sacerdotisa? Ela não aguentaria a perda de novo. Como Mikoto poderia se perdoar por fazer isso com a avó outra vez?

Foram precisos cinco minutos para ela se recuperar, bem a tempo de disfarçar quando Sayuri bateu na porta.

— Mikoto! Nós vamos ver o Yukio antes da viagem. Venha também.

A miko mais velha não falou o que exatamente fariam, até chegarem ao arsenal e encontrarem Haku com uma espada em cada mão, testando alguns movimentos, sob o olhar atento de Yukio.

— Ei, Mikoto! – o rapaz de olhos cinzentos a cumprimentou alegremente e mostrou as armas – O que acha? Yukio escolheu para mim.

— Você vai usar armas?

— Por que não? Se Arashi tem uma, nada mais justo que ele use também – Sayuri deu de ombros – Eu mesma também vou usar uma.

Antes que Mikoto soltasse um "o quê?", Sayuri pegou uma naginata de treino e começou a manejá-la, deixando a miko mais nova verdadeiramente impressionada. Ela não era excelente, mas seus movimentos estavam muito mais suaves e rápidos do que no ano passado, quando Mikoto tentou mostrar como usar a arma.

O Conto da Donzela CelestialOnde histórias criam vida. Descubra agora