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Haku apertou os olhos e forçou a visão ao máximo, mas só viu escuridão vazia por todas as direções. O sol na superfície era um ponto brilhante ao longe, pequeno o bastante para ser encoberto pela ponta do dedo.

A sensação de estar debaixo d'água sumiu pouco antes dos quatro alcançarem o chão. Yumeko pensou que fosse se afogar antes de inspirar por instinto e só aspirar ar. Ela devia ter imaginado isso.

Agora, no fundo do oceano, a jovem herdeira olhou ao redor. Não havia sinal de Mikoto à vista, mas Yumeko conhecia outras formas de localizar alguém no mundo onírico. Yasha a ensinara.

— Para que lado, Yumeko? – Sayuri perguntou.

Yumeko ativou seus "sentidos de raposa" e "farejou" uma trilha que passava por ali, antiga, mas clara o bastante para ela seguir.

— Por aqui – ela saiu na frente e os outros três a seguiram.

Andaram por horas, sem nenhuma alteração no cenário sombrio nem qualquer som além dos próprios passos na superfície arenosa que era o chão.

Sayuri começava a se entediar, e vendo no rosto de Takako que ela não estava no clima para conversas triviais, voltou-se para Haku, que revirava algo nas mãos. A sacerdotisa rapidamente reconheceu o objeto.

— É o celular da Mikoto?

O rapaz se sobressaltou e quase deixou o aparelho cair. Rapidamente ele se recompôs.

— Sim. Ela perdeu na superfície do reino dos sonhos, lembra? Eu queria devolver.

— Eu queria que os celulares funcionassem aqui – Takako comentou – Detesto não saber o que está acontecendo em casa. Se a situação piorar...

— O clã vai sobreviver sem nós por uns dias. Aproveite para esquecer os problemas de casa e se concentrar no agora. Pode fazer bem.

Em resposta Takako grunhiu e continuou a andar. Haku guardou o celular de Mikoto no bolso e falou:

— Será que esse lugar todo é assim? Estou ficando cansado de não ver nada.

— Não deve demorar – Yumeko anunciou – Eu meio que posso sentir, sabem? Acho que vamos encontrar algo em breve.

Depois de mais meia hora de caminhada, os quatro olharam para cima e ficaram surpresos com a visão de um céu noturno, e mais adiante distinguiram o formato de uma cidade ao longe. Haku não conteve a fagulha de esperança que cresceu em seu peito.

— Será que Mikoto está lá?

Yumeko duvidava. A trilha dizia que Mikoto estivera ali, mas fazia algum tempo que partira, embora fosse difícil dizer precisamente. Com a inconstância da percepção do tempo nas profundezas dos sonhos, talvez para Mikoto fizesse somente alguns minutos que passara naquele local, ou semanas.

A cidade era uma verdadeira salada de prédios, árvores e praças de vários lugares diferentes. Yumeko reconheceu o jinja de casa e algumas construções de Shiro, e o resto devia ser dos locais por onde as miko passaram. Takako, Sayuri e Haku reconheceram alguns.

— O Santuário Negro!

— Ali está o palácio imperial.

— E o porto da ilha Iruka.

— Ei – Haku ficou paralisado ao avistar um grande rochedo cercado por vegetação rasteira – Aquilo não parece um pouco com... a entrada do reino youkai?

As duas sacerdotisas se retesaram ao reconhecer a estrutura, mas Takako rapidamente se recompôs e conduziu Haku pelos ombros para longe dali.

— Não faz diferença se é ou não. Temos trabalho a fazer, continuem andando.

Eles percorreram mais algumas ruas daquela cidade que mais parecia uma colcha de retalhos, quando Sayuri reparou num edifício que não reconheceu.

— Haku, Yumeko. Algum de vocês reconhece aquele ali? – ela apontou, e os dois negaram – De onde veio aquele prédio?

Yumeko olhou bruscamente para o lado. O outro rastro que detectara ali, que cruzava com o de Mikoto, ficou mais forte de repente.

Ele estava ali, agora!

— Cuidado! – ela jogou-se em Sayuri e um jorro de neve e gelo passou voando onde ela estivera. Haku seguiu com o olhar a direção de onde o disparo viera.

— Seita! – o rapaz sibilou, a raiva fervendo em seu sangue. O jovem legado encarava os quatro confuso.

— Vocês aqui?

— O que foi? Chegamos em hora ruim? – Yumeko falou com desdém.

— Onde está Mikoto? – Haku gritou. Seita recuou, intimidado pela atitude agressiva do outro. Yumeko se uniu a ele.

— Você a encontrou aqui, eu sei que sim. Aonde ela foi?

O menino engoliu em seco com a visão de Takako e Sayuri já com ofuda em mãos.

— Ela esteve aqui e foi embora. É só o que vão ouvir de mim.

— Ah, não. Você vai nos contar tudo o que sabe – Sayuri cerrou o punho ameaçadoramente e avançou na direção de Seita.

E recuou num pulo, desviando por pouco do golpe de uma katana, empunhada por um rapaz pouco mais velho. Olhos cinzentos como os de Haku ardiam atrás do visor do elmo de oni.

— Arashi! – Haku urrou o nome do irmão e pulou nele. Arashi foi mais rápido, acertou o cabo da espada no estômago de Haku e o empurrou, derrubando-o de costas.

Seita aproveitou o instante de distração e lançou uma estaca de gelo em Takako. Uma parede de chamas alaranjadas se acendeu em frente à miko, derretendo a arma num átimo. O rapaz olhou estupefato para uma Yumeko que sorria orgulhosa.

— Seita! – Arashi rosnou. O jovem legado recuou para junto do outro, e uma nevasca se abateu sobre os quatro.

— Mas o quê?! – Yumeko exclamou e conjurou chamas mais intensas ao redor dos companheiros. O calor intenso ao encontro da tempestade de neve criou uma nuvem de vapor que obstruiu qualquer visão num raio de dez metros.

Com um bufo de impaciência, Sayuri ergueu um ofuda acima da cabeça e gritou:

— Vento!

Um pequeno tornado brotou do talismã de papel e cresceu em instantes até dispersar toda a neve e o vapor. Quando a área foi limpa, Arashi e Seita tinham desaparecido. Haku grunhiu de raiva, os punhos cerrados com força.

— Maldito Arashi. Eu vou estraçalhá-lo da próxima vez...

Um estalo cortou sua frase. Takako o esbofeteara, e olhava para ele com as sobrancelhas franzidas de raiva. E ele, bem como Sayuri e Yumeko, a encaravam boquiabertos de espanto.

— Takako... – a prima começou e foi cortada imediatamente. A mais velha erguera a mão num gesto que dizia claramente "não se meta", e se dirigiu ao rapaz.

— Na próxima vez, você não vai atacar, a menos que uma de nós ordene.

— O quê? Eu não preciso que me digam...

— Sim, precisa! – Takako quase gritava agora, mas não como uma pessoa descontrolada, parecia mais um comandante do exército para um recruta – Se você não for capaz de se concentrar, e correr para os inimigos sem pensar em um plano, é só isso que vai acontecer!

Sayuri e Yumeko só podiam observar a cena, sem ousarem nem mesmo se mexer. Haku só conseguia gaguejar.

— Mas eu... eu não...

— Você foi incluído nessa missão por sua ligação com Mikoto, e porque eu sabia que você queria contribuir mais do que tudo. Mas precisa controlar sua raiva quando vir Arashi. Não precisamos que coloque a si mesmo e a nós em perigo, sem falar no objetivo da missão.

Haku assentiu, parecendo bastante envergonhado. Takako voltou-se para Yumeko.

— Para qual lado agora?

— Por aqui, general – a adolescente se empertigou e liderou a marcha.

O Conto da Donzela CelestialOnde histórias criam vida. Descubra agora