Ainda havia muito o que fazer, por mais que Takako quisesse partir agora mesmo para o reino onírico. Akio fora apenas o mais recente problema de sua pilha, que não tinha perspectiva nenhuma de diminuir num futuro próximo. Ela não fazia ideia de como impedir um legado de usar seus dons.

Sayuri estava enfurnada na "sala verde", dividindo o trabalho de escritório da prima para acelerar seu término. O tempo era essencial, aquele sonho de Haku fora a confirmação de que era hora de sair e buscar Mikoto, quer estivessem prontos ou não.

Takako tratou de resolver todos os assuntos pendentes mais imediatos e adiou ou delegou quaisquer outros, então foi quase correndo para casa, arrumar a bagagem.

— Takako – o chamado de Tamayori-sama a parou no meio do caminho – O que ouvi é verdade?

— Sim, Tamayori-sama. Partiremos amanhã de manhã para Shiromori.

— E tem certeza que essa é a melhor hora para se afastarem?

— O clã pode sobreviver alguns dias sem nós. Mikoto está sozinha no oceano onírico há três meses, sabe-se lá quanto tempo se passou para ela. É ela quem mais precisa de nós no momento – Takako disse com firmeza. A alta-sacerdotisa assentiu.

— Muito bem.

— O quê?! – a miko da terra deixou escapar a incredulidade – Desculpe-me, Tamayori-sama, mas eu jurava que a senhora tinha algo mais a dizer.

— Você é a miko detentora da pérola da terra há mais de um ano, tem experiência e se provou bastante competente e responsável apesar da sua idade. Você pode decidir o que acha que é melhor, e arcar com as consequências se estiver errada.

Takako assentiu respeitosamente, e a mulher se retirou. A jovem sacerdotisa tentou levar as palavras da superiora como positivas, mas parte dela sentiu-se dolorosamente atingida.

Tamayori por acaso se referira a seu fracasso na última empreitada ao mundo onírico? A como ela e Sayuri foram à procura de Mikoto três meses atrás e voltaram com seis adolescentes, decididas a ajudá-los, apesar de ser algo totalmente diferente do que o clã sempre fez?

Aquele fracasso podia ter pesado mais do que Takako pensara a princípio, e a mudança de abordagem sobre os legados um desrespeito às tradições. Tamayori estava ressentida e decepcionada esse tempo todo?

O estômago de Takako se contorceu, uma onda de ansiedade subitamente tomando conta dela.

Droga! Não é hora para se sentir assim! Ela respirou fundo e conseguiu suprimir o sentimento após alguns minutos. Haveria tempo para processar isso mais tarde, agora o importante era a missão: encontrar Mikoto e trazê-la de volta em segurança para casa. Devia se concentrar nisso.

Não havia necessidade de muita bagagem, apenas objetos cerimoniais e papéis ofuda, e a naginata de Mikoto, que Sayuri insistia em levar para devolvê-la. A desculpa para a partida das miko dessa vez era um chamado de emergência em outro santuário que elas precisavam atender.

De manhã cedo, Takako e Sayuri já estavam de pé e se encontraram com Haku na saída do distrito. Enquanto esperavam a chegada do quarto membro, o rapaz pensava alto:

— Será que a gente não podia pedir a aqueles youkai da floresta para nos ajudar dessa vez?

— Essa batalha não é deles, e já têm uma missão própria, caso você tenha esquecido – Takako respondeu calmamente. Haku revirou os olhos.

— Sim, mas será que aqueles templos não podem ficar sem um ou dois seguranças por alguns dias?

— Não vamos discutir isso de novo. Os problemas deste mundo não dizem mais respeito àqueles youkai, eles vivem no reino dos sonhos agora, então não têm obrigação de lutar nas nossas batalhas. E não podemos contar com ajuda dos outros sempre. A magia do nosso mundo foi confiada a nós, então espera-se que saibamos lidar com os nossos problemas.

— E não subestime as bijuu, Haku – Sayuri adicionou – São os nove youkai mais poderosos da história. Nem queira saber o que poderia acontecer se um deles se libertasse e viesse para o mundo humano.

— Eles poderiam fazer isso? Estão no mundo onírico.

— O gato de duas caudas é o animal do deus da morte, pode transcender a vida após a morte e invocar legiões de almas do além para lutar por ele. Sair do mundo dos sonhos seria tarefa fácil para eles.

Insatisfeito, porém sem mais nenhum argumento, o rapaz apenas suspirou. Felizmente, pouco depois Yumeko veio ao encontro dos três.

— Achei que fosse o Kouta que viria com a gente – Haku comentou. A menina estufou o peito com orgulho.

— Ele bem que queria. Tivemos uma senhora discussão, mas no final eu o convenci que era a melhor escolha.

— Vocês não decidiram no pedra-papel-tesoura, não é? – Sayuri levantou as sobrancelhas.

A julgar pela forma como Yumeko comprimiu os lábios e desviou o olhar rapidamente antes de murmurar uma negativa, essa era a verdade.

Ela apressou-se em mudar de assunto:

— Para que a naginata, Sayuri-san?

— Vou devolvê-la para Mikoto quando a encontrarmos – a miko do mar acomodou a arma samurai nas costas.

— Bem, está na hora de irmos – Takako e jogou a bolsa de viagem sobre o ombro. Haku ergueu a mão.

— Espera, é que tem uma pessoa...

— Esperem! – um rapaz de dezoito anos veio em alta velocidade e parou derrapando na frente dos quatro, ofegando tanto que mal conseguia falar – Eu... queria...

— Nosso grupo está completo, Shin, você não pode vir conosco – Takako disse com severidade. O jovem príncipe balançou a cabeça.

— Não, sei disso. Eu só queria dar isso para vocês antes de irem – ele estendeu uma flor para as miko, prensada em uma cobertura plástica para ser preservada – Por favor, entreguem por mim à Mikoto quando a encontrarem.

Sayuri pegou a flor, reconhecendo-a instantaneamente. Era uma shion, do mesmo tipo que Shin dera para Mikoto em gratidão à ajuda que ela dera no ano passado, quando seu pai, o rei de Ao, iniciou uma campanha expansionista contra o restante de Yamato. E apesar de não ter conseguido encontrá-la pessoalmente há três meses, o príncipe nunca perdera a esperança dela voltar, por isso permanecera em Shiro até agora.

A miko do mar sorriu e prometeu:

— Eu entregarei a ela.

O jovem sorriu, grato, desejou boa sorte e se despediu da pequena comitiva. Takako cruzou os braços e olhou para a prima desconfiada.

— Como foi que ele descobriu que nós estávamos de partida hoje?

— Não foi ela, fui eu – Haku se apressou em assumir, e acrescentou ao ver o olhar repreensivo da mais velha – Achei que ele tinha direito de saber, ele também é amigo da Mikoto, e também está preocupado com ela.

— Eu não sabia que vocês eram tão amigos – Sayuri sorriu enquanto guardava a flor na bolsa. Haku deu de ombros.

— Nós conversamos nesses últimos meses, e descobrimos que temos muito em comum.

— Ei, qual é?! A gente vai ou não vai?! – Yumeko acenava dramaticamente à distância, na esquina.

O Conto da Donzela CelestialOnde histórias criam vida. Descubra agora