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— O que você acha que ele está fazendo? – Ume sussurrou, espiando dentro do quarto. Do outro lado do portal, Jin deu de ombros.

— Se eu fosse chutar, diria que é o que ele e a Yumeko faziam toda noite.

— Meditação.

— É isso ou ele está dormindo sentado.

Algum tempo depois das miko irem embora com Haku e Yumeko, Kouta sentara de pernas cruzadas em sua cama, de olhos fechados e costas eretas, e não se mexera mais. Se não fosse por seu peito subindo e descendo suavemente, ele poderia se passar por uma estátua.

— Eu queria ir para o reino onírico de novo. É onde ele está agora – Ume fez beicinho, e Jin compartilhava de sua insatisfação.

— Sempre nos deixam de fora das partes divertidas.

— Divertidas?

Os primos se sobressaltaram e voltaram-se para uma Izumi com expressão muito séria.

— Vocês definiriam como "divertida" a vez que nós caímos do alto daquele desfiladeiro? Ou quando Ayana morreu na nossa frente?

— Foi idiota o que eu disse! Eu sou um idiota! Desculpe! – Jin se apressou em pedir, vendo os olhos de Izumi se encherem de lágrimas.

A adolescente mais velha rapidamente enxugou os olhos. A perda de Ayana, uma herdeira de ame-onna que fazia parte do grupo manipulado por Arashi e Akumi, ainda a afetava. E ninguém gostava de ver Izumi chorando.

— Mas a gente queria ajudar também. A gente só fica aqui, parado – Ume olhou de novo para Kouta com uma pontada de inveja.

— Pois deviam agradecer por... – Izumi parou no meio da frase – Ouviram isso?

Os três foram para a varanda da casa, de onde podiam ver a entrada do clã. Uma multidão zangada tentava forçar a entrada no distrito, entre gritos de "monstros". Izumi estremeceu e empurrou os dois mais novos para a porta.

— Voltem para dentro, andem!

O casal de primos já estava dentro de casa quando a polícia chegou para conter a multidão. Aquelas manifestações raivosas aumentaram nos últimos meses, e Izumi temia que ficasse pior agora que Takako e Sayuri se ausentaram.

Parte dela quase tinha inveja de Kouta, completamente alheio ao tumulto ao seu redor.

Somente um bom tempo após a turba lá fora dispersar, Izumi se sentiu segura para sair de casa, e foi para a biblioteca. Apesar de tudo que acontecia, ela ainda era uma estudante e tinha dever de casa para terminar, e um livro que precisava encontrava-se na biblioteca do clã.

A adolescente chegou ao prédio rapidamente, desejando passar o mínimo de tempo possível na rua, e após pegar o livro que procurava, encontrou uma cena inusitada perto da saída.

Akio, o novo legado, discutia com Setsuna, um dos pesquisadores mais dedicados da biblioteca.

— Lamento. Até agora tudo que encontramos é sobre exorcismo – o jovem pesquisador dizia, e Akio não estava nada satisfeito.

— Então estou preso aqui até as sacerdotisas voltarem?!

— Senhor, nós estamos sob a proteção do clã Kairiku – Izumi não se conteve e quando o homem olhou para ela, e prosseguiu – Há pessoas lá fora com medo de você e de mim. Não sabemos o que pode acontecer se sairmos, então ficar aqui é nossa melhor e única opção. E não é como se fôssemos prisioneiros. Você devia ao menos mostrar alguma educação por essas pessoas que estão cuidando de nossa segurança.

Akio apenas a encarou com os lábios comprimidos de irritação antes de sair da biblioteca a passos pesados. Setsuna deixou escapar um suspiro após ele sair.

— Obrigado, Izumi-san. Eu estava começando a ficar assustado.

— Ele age como uma criança mimada – Izumi lançou um olhar de desaprovação à porta por onde Akio saíra, antes de inspirar fundo para se acalmar – Mas não posso negar que entendo como ele se sente. Já estive nessa situação.

— Você me lembra muito a minha mãe, sabia? – Setsuna comentou. Izumi riu baixinho, pois não era a primeira vez que lhe diziam isso.

— Quando estávamos no reino onírico, eu era a mãe do grupo com certeza. E Kouta era o pai.

— Você também prefere não ter esses dons youkai, não é? Desculpe não achar nada de útil nos arquivos, mas é que são tantos...

— Tudo bem, Setsuna-san, eu sei que vocês da pesquisa andam muito sobrecarregados recentemente.

— O problema é que só temos pergaminhos antigos. Mas eu garanto, quando isso tiver terminado, eu mesmo vou supervisionar a digitalização de todos esses documentos, até a última folha de pergaminho – ele bateu o punho no balcão com raiva.

Izumi precisou reprimir uma risada.

—Tenho absoluta fé em você. Mas antes disso, devia se permitir dormir um pouco, ou vai desmaiar de estafa – as olheiras profundas no rosto de Setsuna eram uma evidência incontestável disso, ele mesmo concordou.

— Pode deixar, Izumi-san. Obrigado.

De volta à casa, Izumi deu outra olhada no quarto de Kouta. Ele ainda estava na mesma posição de meia hora atrás, mas seu rosto agora estava tenso, com a testa franzida e os olhos fechados com força.

— Kouta? Está tudo bem? – ela chamou baixinho, e o rapaz não teve nenhuma reação, como era de se esperar. Ainda assim Izumi teve um mau pressentimento, como um arrepio percorrendo sua espinha.

De repente veio à sua mente a imagem de um gato com os pelos eriçados.

Revirando os olhos para si mesma, ela voltou novamente a atenção para Kouta, que agora começava a suar e respirava pesadamente.

***

Kouta começava a ficar entediado. Já fazia mais de uma hora que as miko pularam do penhasco com Haku e Yumeko, e tudo que o jovem herdeiro tinha para fazer era olhar para o horizonte e brincar com o ofuda entre os dedos.

Duas ou três vezes ele usou o talismã de papel para saber como andava a operação, mas só captou silêncio e foco. Aparentemente eles ainda não tinham encontrado Mikoto.

Nem Yasha.

O que ela estaria fazendo lá embaixo àquela altura, se ainda não encontrara os outros?

Novamente voltando o olhar para o oceano cinzento, Kouta se sobressaltou, subitamente tomado por uma sensação de perigo.

Ele olhou para o ofuda, que emanava uma aura amarela brilhante. Kouta fechou os olhos com força e pôde ver Takako, Sayuri, Yumeko e Haku, como se estivesse lá com eles. E não estavam sozinhos.

Aquilo era um cenário de pesadelo.

— Kouta! Tire-nos daqui! – Haku gritou.

O Conto da Donzela CelestialOnde histórias criam vida. Descubra agora