Capítulo 09

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Me dei um tempo antes de subir ao térreo. Precisei colocar os pensamentos e as emoções em ordem antes de ver o Jake. Tenho medo de não conseguir me conter e acabar fazendo besteira na frente dele. Lavei o rosto e apenas fui encontrá-lo.

Quando o elevador parou no térreo e abriu as portas, o vi apoiado sobre o parapeito do prédio enquanto observava as luzes da cidade ao longe. Me aproximei e fiquei do seu lado, encarando a floresta que nos cercava logo abaixo. Ficamos em silêncio por um tempo até Jake quebrá-lo.

– Costumo vir aqui quando as coisas costumam ficar pesadas demais — ele falou em uma tranquilidade estranhamente reconfortante, não tirou os olhos das luzes.

O encarei e perguntei:

– As coisas estão pesadas demais pra você?

– Talvez estejam — ele me olhou. — E pra você?

Encarei as luzes ao longe.

– Talvez estejam — retruquei.

– Quer conversar sobre isso? Não precisa ser o problema em si, só... desabafar.

Considerei sua proposta.

– Pensei que seria mais fácil — continuei encarando as luzes. — Pensei que, com o trabalho, com todos os meus afazeres, minha vida, pensei que seria mais fácil seguir em frente. Mas isso ainda me atormenta, é como...

– Se pudesse ouvir as vozes deles — Jake completou. O olhei com surpresa. Como? — Eu sei porque isso também me persegue e é extremamente frustrante.

– Posso ouvir os gritos e sentir o medo que senti naquela madrugada. Eu tento bloquear tudo isso e seguir em frente, mas foi me dado um propósito e preciso seguir até o fim.

– O que aconteceu?

Não sinto vontade de esconder mais nada.

– Perdi toda a minha família em um incêndio. O assassino ainda não foi encontrado. Um empregado me tirou pela janela do meu quarto, me pediu para fugir e salvar o nome da minha família. Ninguém sobreviveu, exceto eu.

– Sinto muito, Kyra.

– Só não sinta pena, isso é patético — cuspi suas palavras, o que nos fez rir.

– Mas falando sério, sinto muito.

Ele está falando a verdade, sinto a sinceridade em seu tom de voz e posso ver a verdade em seus olhos.

– Eu pensei que, com o tempo, pararia de doer, mas não para. A dor só fica pior a cada dia.

– A dor nunca some, Kyra, você só aprende a conviver com ela.

– Quando ela começa a interferir na sua rotina, conta como aprender a conviver?

Jake ficou em silêncio por um tempo, distante. Pude ver seus olhos ficarem marejados.

– Não, não conta. Mas tudo fica bem no seu tempo.

Olhei para a floresta. Expirei a brisa fria e falei:

– Espero que esse tempo não demore muito.

Jake não falou nada por um longo momento, apenas voltou a encarar as luzes de Duskwood. Foi silêncio o suficiente para que eu me afogasse nos meus pensamentos. Todos voltados a inúmeros acontecimentos, desde recentes aos mais antigos. Estão muito rápidos, são pensamentos demais.

– Kyra?

Saí do mar de pensamentos depois que Jake me chamou. Não havia dado conta da minha respiração agitada. Jake e eu nos encaramos até ele me puxar para seus braços e me envolver em um abraço. Um longo e apertado abraço. Apoiei a cabeça em seu ombro e fechei os olhos, respirei fundo enquanto ele passava as mãos em minhas costas de forma reconfortante. Não chorei, mas meus olhos pareciam estar em tempestade, apenas esperando o gatilho final.

– Não precisa guardar tudo para si — sussurou ele em meu ouvido. — Estou aqui.

Ouvir isso foi como se fosse tudo o que eu precisava ouvir. O ar pesado saiu dos meus pulmões e me acomodei mais em seus braços. O abraço ficou tão apertado que, pela primeira vez depois de muito tempo, foi como estar em casa. Realmente em casa.

Desfizemos do longo abraço minutos depois. Jake segurou meu rosto em suas mãos, encarou meus olhos e simplesmente perguntou:

– Posso beijar você?

O encarei com confusão, procurando indícios de alguma brincadeirinha.

– Por que quer me beijar? — perguntei, o tom da minha confusão acompanhou minha pergunta.

– Não posso ter minhas vontades? Posso beijar você ou não? — repetiu.

– Não vamos confundir as coisas, Jake — me desvencilhei do seu toque. — Vamos apenas focar nos acontecimentos de agora, tudo bem?

– Claro — respondeu ele com um aceno de cabeça. Percebi que sua expressão mudou, ficou sério de repente.

– Eu só não quero que isso seja apenas por um momento, Jake. Só... — abri os lábios mas nada saiu.

– Tudo bem, eu entendo. Mais tarde você vai implorar para que eu a beije.

Voltamos ao parapeito, a ideia de me jogar daqui soa tentadora. Que horrível. Que vergonha. Não posso desenvolver sentimento algum pelos meus alvos, não mesmo.

Foi uma quedinha, nada demais. Foi um desleixo meu, isso.

"– Mais tarde você vai implorar para que eu a beije."

Desgraçado.

– Consegui o número da Lilly com o Phil. Quando voltar para o apartamento enviarei uma mensagem — quebrei o silêncio que pairava entre nós.

– Você lembra do número da casa?

– Sim.

– Ótimo. Quando conversar com ela me mande uma mensagem. Por favor, tente ser o mais sigilosa que conseguir, não cite meu nome ou nada que me envolva, é perigoso.

– Por que seria perigoso ela saber sobre você? Afinal, ela é sua meia-irmã.

– Você nem imagina o perigo que corre por estar aqui comigo, agora, e a todo momento.

Ele tá com medo do FBI? De nós?

– Por que você tá falando assim? — perguntei, sonsa.

– Por que um grupo perigoso me persegue.

– O FBI?

Jake soltou uma risada nasal, me encarou e respondeu:

– Não, não arrumei problemas com o FBI nem com o governo. É um grupo perigoso que, além do mascarado, querem me ver morto.

O quê?

– Então não fez nada às autoridades? Que grupo é esse?

– Não, jamais me envolvi nessas coisas de autoridades governamentais. Os que me perseguem é um grupo perigoso de hackers que usam de suas habilidades para o mal. Eu descobri muito sobre sua comunidade e eles não gostaram. Me deram a opção de me juntar a eles, mas neguei imediatamente e agora eles me procuram para me matar.

Mergulhei em meus pensamentos mais uma vez. Se o Jake nunca fez nada ao Governo, por que o FBI recebeu uma carta mandando que eu o investigasse e coletasse informações sobre o mesmo? Há algo errado. Há algo muito errado. Preciso entrar em contato com o Nick e tirar isso a limpo. Amanhã pela manhã vou ao departamento conversar pessoalmente com meu chefe.

Quem enviou esse mandato? E por quê?

– Kyra, está aí? — Jake chamou minha atenção.

– Desculpe, estava pensando na viagem que vou fazer amanhã de manhã. Estou me sentindo um pouco cansada e não quero ter que pegar a estrada sonolenta, melhor voltarmos.

– Para onde vai? — perguntou, as sobrancelhas franzidas.

– Visitar o meu chefe e levar algumas propostas pessoalmente. Há alguns papéis que ele precisa olhar.

– Bom, então vamos indo — Jake apoiou a mão em minha lombar e pegamos o elevador juntos.

Ainda estou meio distante, pensando e criando várias teorias em minha cabeça.

Born To Die - Duskwood Onde histórias criam vida. Descubra agora