Capítulo 24: Montana

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Nicholas Van Dusen

Sempre tive uma espécie de fascínio por ônibus de dois andares. Me lembro até hoje do primeiro desses que eu entrei em uma excursão para Boston. A escadinha apertada de veludo, as janelas redondas e a forma com que a passagem corria lá embaixo como se você estivesse passeando em um prédio voador.

Quando chegamos no aeroporto de Montana, a paisagem de construções baixas, vias amplas, céu limpo e as cadeias de montanha na fronteira foi suficiente para alimentar no espírito aquela realização nova-iorquina de que estávamos bem longe da nossa terra de concreto.

Depois de poucas horas, os prédios ficaram para trás e a vista se transformou em um mar infinito de pinheiros escuros, cercados por um lago cristalino e limitados pela estrada que margeava o Pico Granite.

— Com glória, sangue, e muita sorte. Desbravamos os tesouros pelo norte. Tornamos o brasão à nossa terra, não há homem que enfrente a nossa guerra!

Meu pai, o tio Sheik, meus primos Julius, Mark e Tank, e os gêmeos da tia Catt cantavam o hino dos Van Dusen pela terceira vez desde o aeroporto.

Tinha um motivo, claro: Os Van der Beek iam estar lá, e mesmo que essas viagens com os Rockefeller, os Charmicael, e os Winston fossem disfarçadas pela idéia de uma ''reunião complacente entre velhos amigos'', sempre rolava alguma espécie de competição entre as duas famílias inimigas.

Era quase uma olimpíadas não oficializada.

E eu costumava gostar da idéia. Nunca fui muito intimidado pela idéia de competição e desafio, pelo contrário: era seduzido.

Mas agora, toda vez que eu tentava entrar no espírito da coisa, minha visão começava a passear pelos pinheiros e de repente eu estava preso, outra vez, nas garras da minha própria imaginação.

— Só diga, Nick.

— O quê?

— Você sabe o que.

— Fiquei sabendo que os Rockefeller compraram uma Stradale. Conseguiram em um leilão, uma parada assim — Tank me trouxe de volta. Ultimamente ele tinha passado a falar com maior frequência que nos últimos dezessete anos. Não que ele dissesse algo muito esperto, mas dava para ver que o término com a Mickey despertou uma espécie de sensibilidade nele.

— A Ferrari?! Tá zoando com minha cara?! — Meu priminho César, um dos gêmeos, se empolgou.

— Será que o Chad deixa a gente dar uma volta nela? — Foi a vez de Mark.

— Quem falou que a Ferrari é dele? — Eu furei o assunto como se fosse uma agulha em um balão. Soando um pouco mais amargo que esperava.

— Tudo é dele, ele é o herdeiro mais velho — Foi a vez do meu pai se intrometer. Ele estava em pé entre as dezenas de bancos vazios, se equilibrando como se estivesse em cima de uma prancha de surf.

— Nem tudo — Eu encerrei o assunto, e decidi, dessa vez, me perder nos pinheiros por vontade própria.

~

O rancho da Pedra Bamba era um complexo de tendas de luxo, cada uma com banheiro e cama embutidas em um só cômodo com estilo barroco. Por estilo barroco entenda: combinações de diferentes tons de madeira, uma porção de itens sintéticos de animais, e umas lamparinas.

Desejos e DesavençasOnde histórias criam vida. Descubra agora