Capítulo 30: Adeus

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Nicholas van Dusen

Nada poderia ter me preparado para aquilo. 

O mundo pareceu tomado de uma escuridão estranha, enquanto minha mente se dissociava do restante do corpo. O único lembrete de que ainda estava vivo era a palpitação intensa na altura da cabeça.

Nem sei quanto tempo se passou entre escutar o nome de Boston e a hora em que Francesca voltou a falar, mas pela expressão pálida em seu rosto a minha deveria estar assustadora.

— Eu sei o quanto a Jade é importante para você, e você já tinha me contado sobre os van der Beek. Eu não tive coragem de contar antes.

De repente as pequenas frações de lembrança da demonstração de afeto rara entre meus pais se tornou um fardo. Uma evidência. Era impossível não tentar associa-las com aquela possibilidade.

A possibilidade de que eu e a Jade fossemos...

— Você está bem? — Francesca apoiou a mão em meu ombro, enquanto minha visão se tornava escura nas periferias como se enxergasse através de um túnel. 

— Ela tá lá em cima Foi o que eu consegui dizer — Ela tá dormindo lá em cima.

— Nick... Como você vai contar para ela? 

Como eu poderia? 

Eu não desejava que ninguém sentisse aquilo que senti quando Francesca falou o nome do Boston. Eu tinha certeza que no momento em que meus pais se envolvessem na história, nossa família estaria arruinada para sempre. Talvez se eu ficasse quieto — eu pensei — talvez se eu segurasse aquele fardo sozinho pelo menos a família dela não teria o mesmo destino que a minha.

E uma parte egoísta de mim temia que ela sentisse nojo: 

Que ela reagisse àquilo da pior forma possível.

Foi ali, na madrugada fria Suíça, que eu tomei a única decisão que eu poderia tomar.

A partir dali a voz de Francesa pareceu distante como se viesse de uma TV antiga quando não se presta muito atenção na programação. O pouco que absorvi foi que ela iria voltar para Paris em uma viagem de trem, naquela mesma madrugada, e que iria aguardar notícias minhas assim que eu quisesse conversar.

Francesca já me conhecia bem o suficiente para saber que naquela hora: não.

Me sentei na calçada e a assisti partir dentro de um táxi, me tornando cada vez mais desunido da realidade.

˜

Jade van der Beek

Por ter dormido de qualquer jeito, fui castigada pelo frio que penetrava o quarto pelas paredes. Com a força dada a mim por um único bocejo, tateei a cama em busca de calor. 

Não encontrei Nick, mas na mesma hora, a porta do quarto se abriu revelando sua silhueta mal-agasalhada.

E então o sono evaporou. 

Talvez gostar tanto de uma pessoa fosse isso: sentir-se energizada só de tê-la ali na sua frente.

— Ei.

Nick deu um passo a frente, permitindo que a luz do corredor de entrada o alcançasse, tingindo-o de amarelo.

Foi quando eu percebi que havia algo errado.

— Onde você tava? — Perguntei, não de forma acusatória, mas preocupada.

Nick não conseguia alcançar meu rosto, embora parecesse tentar. Uma expressão vazia no rosto, como se tivessem assaltado sua própria alma e a levado embora. Quando os olhos verdes finalmente se prenderam nos meus, eu tive a certeza de que algo estava prestes a acontecer.

— Jade — Ele disse, como quem começa um discurso.

De repente eu desejei congelar a cena. Eu o conhecia suficiente. Eu sabia que tinha algo muito errado. Era um pressentimento tão selvagem quanto aquele em que se recorre para olhar ao céu e saber que haverá chuva. Eu conseguia sentir no sangue aquela tempestade.

— Jade, eu... Eu não quero mais continuar com isso Nicholas murmurou, com muito cuidado, embora cuidado nenhum pudesse amenizar o que ele estava prestes a dizer.

— Isso?

Eu acho que nós... Não pensamos direito. Nunca vai dar certo — Cada frase era robótica, era lenta e era ensaiada.

— Isso tudo tem haver com nossas famílias? — Perguntei, embora eu também soubesse que naquela altura nenhuma resposta me satisfaria.

— Não, Jade.

— Isso é algum tipo de brincadeira?

— Jade, eu não quero mais.

— Como assim? — Eu não podia acreditar.

— Eu só não vejo nenhum futuro com você.

Corações são criaturas engraçadas. Eles podem se rachar aos poucos, com pequenas cicatrizes de vidro corroendo o peito até que se torne um verdadeiro fardo. Eles podem se manter intocáveis até derreterem por completo em uma tarde aleatória onde você se pega de bom humor por nenhum motivo. Eles podem se curar sozinhos, ou em silêncio atormentar o cérebro com manchas do passado que se recusaram a evadir-sem. Mas eles também podem se despedaçar, as vezes, em uma só voz.

E escutando aquilo, talvez antes mesmo de processar o que Nick despejou em mim, eu tive a certeza de que meu coração tinha se partido.

— Então por que você me trouxe aqui? — Foi o que eu consegui perguntar.

Eu sabia que estava chorando, mas aquilo não era mais humilhante que estar sentada em uma cama de hotel, em outro país, depois de mentir para a maioria das pessoas que ama só para poder estar ali com alguém que não vê futuro ao seu lado.

O que eu não entendi foi porque os olhos de Nick avermelharam-se também.

— Eu só queria... Eu só queria transar com você. 

Nick então voltou os olhos para os pés, ele parecia prestes a vomitar.

Não mais que eu. 

— Vá embora daqui — eu grunhi. Nick limpou o rosto com as costas do braço.

Ele estava chorando, assim como eu.

O que era aquilo? Culpa? Arrependimento?

Nick guardou as roupas em uma mochila e desapareceu pela porta. Assim, de repente, como um pesadelo. Por um momento eu implorei aos céus que eu pudesse acordar, mas com o amanhecer lento escapando pela janela, eu percebi que teria que me adaptar aquela nova realidade mais uma vez.

Desejos e DesavençasOnde histórias criam vida. Descubra agora