Capítulo 29: Laços de Sangue

25 4 25
                                    

Nicholas van Dusen

— O que você tá fazendo aqui?

Francesca me fitava com os olhos enormes e a expressão insegura. Parecia mal agasalhada como se tivesse sido teletransportada dos Estados Unidos direto para a Suíça. Sua aparição repentina fez com que eu tivesse a mesma impressão.

— Eu usei aquele dinheiro que você me deu — Ela abraçou o próprio corpo. O cabelo loiro parecia desbotado e os olhos fundos, como se tivesse passado um bom tempo sem conseguir dormir — Aquela conversa que tivemos no baile de máscaras...

— Não tivemos nenhuma conversa, você se recusou e me falar qualquer coisa — Eu a repreendi, sendo tomado por arrependimento em seguida — O que aconteceu?

— Eu precisava confirmar algo antes, como eu havia te dito, e eu confirmei... — Francesca hesitou por um momento. Notei que embora aquela história fosse tão difícil para ela quanto era para mim, Francesa tinha mais facilidade para manter seu controle. Me perguntei se eu amadureceria assim quando tivesse a idade dela — Eu recebi o resultado do laboratório.

Arregalei os olhos, incentivando ela a falar, mas ela parecia restrita ao próprio medo.

Nós... — Deduzi — Nós não somos irmãos. É isso?

Francesca balançou a cabeça.

— Nós somos irmãos.

Eu soube que havia algo errado porque olhando para ela daquela distância, Francesca parecia tão assustada quanto no dia em que ela se aproximou de mim em Paris.

Eu estava no campus do Colégio Internacional de Kingsworth, jogando handball com alguns amigos que tinha feito lá, quando um deles apontou para uma moça loira atrás das grades. Francesca usava uma trança e um vestido branco comprido. Quando terminei o treino ela me interceptou.

"Não se assuste, mas acho que sou sua irmã mais velha".

Francesca passou a me contar sua história. Ela tinha sido adotada, ao nascimento, por um casal francês, e tinha passado a infância e adolescência na pequena província de Dinan. Só aos dezesseis anos descobriu que havia sido adotada, e embora sempre tivesse mantido a curiosidade sobre sua origem, foi a morte dos pais em um acidente de carro — quando Francesca completou vinte anos — que a inspirou a procurar suporte da família biológica.

Investigando a documentação da mãe conseguiu contato com uma antiga agência de adoção americana, que por não estar mais em operação, se recusou a liberar qualquer informação sobre sua mãe biológica.

Mas entrando em contato com ex-funcionários através das redes sociais, Francesca conseguiu chegar em um nome:

Ivone van Dusen.

Bastou uma olhada no google para descobrir de quem se tratava, e uma na TMZ (como ela dizia) para descobrir sobre mim.

Quando ela tomou a decisão de me procurar já tinha preparado todo o dossiê com sua teoria, sempre deixando o mais explícito possível que não tinha nenhum interesse financeiro conosco. O que para mim sempre era uma verdade indiferente, já que a própria Francesca as vezes parecia arrependida e assustada com o novo mundo do qual ela — supostamente — fazia parte.

Isso até que passamos a nos tornar próximos. Eu contei para ela sobre Nova Iorque, sobre o estilo de vida, e ela me apresentou Paris e me contou sobre os problemas que enfrentava depois da morte dos pais. Sempre misteriosa, ela me proibiu de conversar com meus pais até que tivessemos certeza de que eles também eram seus. Então, eu a ajudei como pude, e depois de um ano consegui convence-lá a voltar para os Estados Unidos com meu auxílio, e concluir de vez sua investigação.

Olhando para ela agora, assustada como no dia em que nos conhecemos, eu consegui medir o peso que toda aquela história tinha exercido sobre minha vida. A ideia de que alguém com o mesmo direito que eu vivia em necessidade, enquanto eu sempre tinha vivido em luxúria. E a realização de que meus pais esconderam aquilo por tanto tempo, sem nenhum motivo aparente, além do fato que (pela matemática) minha mãe tinha concebido Francesa com a mesma idade que eu tinha, agora.

— Nós somos irmãos? — Não consegui entender porque ela parecia tão triste.

— Não completamente. Eu não quis te contar, mas quando cheguei nos Estados Unidos eu consegui conversar com uma diretora da Agência... Ela me falou sobre outro homem.

— Como assim?

— Quando sua mãe... Nossa mãe, me entregou, ela citou o nome de outro homem. Homem que não sabia sobre a gravidez, e aparentemente ele era o motivo pelo qual... Pelo qual ela não quis ficar comigo.

— Então o meu pai-

— Não é meu pai. Nós somos meio-irmãos... Mas eu não tenho certeza — Quando disse isso, Francesa pareceu prestes a chorar.

— Você ainda não tem certeza se somos irmãos? — Tentei consolar — Isso não vai mudar nada entre a gente, eu-

— Não, Nicky — Ela me afastou — Ivone é minha mãe, Ferdinand não é meu pai. Nós somos irmãos. Eu só não sei se... Olha, Nick. Eu entrei em contato com o outro homem. Ele realmente não fazia ideia de que tinha uma filha perdida, mas é uma boa pessoa. Ele acreditou em mim, prometeu que iria me ajudar a ter certeza de que eu era filha dele, ele até passou a me tratar com carinho, como um pai.

— Porque você não me contou que tinha encontrado seu pai biológico? Eu achei que você confiava em mim — Senti a madrugada escurecer ao redor de nós, enquanto era tomado por ira — Você sabe que isso também mexe comigo. Você não é única sofrendo com essa merda.

— Nick eu fiz isso para te proteger. Eu não sei que nível de relacionamento esse homem tem com sua mãe. Foi a única coisa que ele se recusou a me contar: Sobre a relação dele com a Ivone.

— E o que isso muda? Você poderia ter me contado isso antes!

Francesca esfregou o rosto em frustração antes de continuar:

— Nick, você não está entendendo — O sotaque cada vez mais carregado — Esse homem pode ser seu pai também!

Que?

— Nick nós não temos uma grande diferença de idade. Você mesmo me disse que seu pai e sua mãe não parecem estar casados ainda por vontade, que eles são frios um com o outro.  Que sua mãe escolheu Ferdinand por que seu avô achou que ele era de uma boa família. Você pode ser fruto do mesmo relacionamento que eu.

— E você não me contou isso antes porque...

Permiti com que meu cérebro pontuasse aquela história. Permiti com que por um segundo meu envolvimento emocional se apagasse e eu conseguisse identificar a razão pela qual Francesca havia mentido para mim.

— Francesa... Quem é esse homem?

Bingo.

A expressão de Francesca se desfez como um nó frouxo quando eu cheguei na parte onde ela não gostaria de ter que chegar.

Mas então ela disse.

Boston.

Boston van der Beek.

Desejos e DesavençasOnde histórias criam vida. Descubra agora