Capitulo 26: Picles

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Dicionário (*)

1. Michael Rockefeller — Herdeiro da dinastia americana Rockefeller, filho do governador Nelson Rockefeller;  que em uma viagem para Nova Guinea desapareceu e foi declarado morto em 1964, embora o corpo nunca tenha sido encontrado. Acredita-se que ele foi devorado por canibais de uma tribo local.

2. Bear Grylls — Famoso por apresentar programa no Discovery sobre sobrevivência, e aventuras no exterior.

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Filho da puta.

Meus joelhos sustentaram o final da queda, e conquanto eu ainda conseguisse escutar algumas vozes, progressivamente elas se tornavam sussurros. A borda da colina me impedia de enxergar qualquer coisa além de pontos de luz acima da altura da minha cabeça. Tateei a grama buscando alguma espécie de reconhecimento geográfico: em vão.

Tudo que eu podia sentir ou era rígido como um tronco, ou incerto como uma planta.

Eu sabia que precisava continuar me movendo antes que eu perdesse as vozes do nosso grupo, mas na terceira topada que eu dei com uma árvore, minha consciência me sabotou com uma possibilidade:

Eu poderia morrer ali.

Do que serviriam drones, fitas em árvores e regras de sobrevivência se eu não conseguia enxergar nada?

Socorro! — Tentei. Sem nenhum resultado. O frio corroía o corpo como se viesse de dentro, endurecendo as junções dos meus dedos e ressecando os lábios.

Tentei escalar a colina mas meus pés cediam ao deslize no terceiro passo.

Talvez eu devesse só ficar ali, até alguém notar meu sumiço. Provavelmente Mark diria que eu voltei para o acampamento, poderia demorar muito tempo para alguém se alarmar com minha falta. Tempo suficiente para algo muito ruim acontecer. Mesmo agora era possível escutar o farfalhar de animais se movimentando pela floresta.

Abracei os joelhos, priorizando me aquecer. Eu já não conseguia escutar mais nada além dos ruídos do vento.

Aquele era meu fim? Uma milionária morta na selva tal como Michael Rockefeller*?

Se era ou não, não tinha certeza, mas havia uma luz se aproximando de mim aos poucos. Eu deveria segui-la? Era assim que as coisas acabavam?

Fechei meus olhos até que tudo fosse tomado por um clarão. Mas ao invés de me encontrar com a vovó Mary ou Jesus Cristo, quando tomei coragem para abrir os olhos, meu encontro espiritual foi com Nicholas Van Dusen.

— O que você... Tá fazendo aqui?

Ele parecia tão desacreditado quanto eu. O cabelo estava molhado, jogado para trás. Parecia ter acabado de tomar banho, embora estivesse agasalhado com as mesmas roupas de antes. A manga do sobretudo ainda suja de tinta.

— Você tá com seu celular?! — Foi o que eu observei em seguida: a fonte da luz do final do túnel.

— Sim, eu escondi ele na cue- Isso não vem ao caso, porque você tá aqui no meio da mata? Você se perdeu? — Nick estendeu a mão para que eu me levantasse, mas eu dispensei sua ajuda.

Desejos e DesavençasOnde histórias criam vida. Descubra agora