Mais uma manhã no mesmo ciclo vicioso, acordar, limpar o lar e dar atenção ao marido. Dormir implorando a Deus para que minha vida mudasse ou que simplesmente acabasse. Vinte anos, sou jovem demais para prender-me nessa situação, entretanto, foi a única dada a mim.
Uma batida na porta fez com que meus batimentos acelerassem, ele geralmente chegava mais tarde e eu mal terminei o jantar.
— Não sei onde estava com a cabeça de me casar com você! — sua voz estridente desequilibrou minha respiração.
Um porco. Foi isso que minha vida custou. Trocada por um porco, me resumiram a isto.
— Incompetente! — falou enquanto me agarrava pelo braço. O mesmo me debruçou na mesa. — Pelo menos serve para algo que preste!
Assim que suas mãos subiram meu vestido, formou-se o nó em minha garganta. De novo não...
Seus movimentos eram rápidos e fortes, causando para si o prazer que buscava e em mim, nada além de invasão e dor. Engoli o choro para não apanhar outra vez, o peso de sua mão era insuportável no dia seguinte. Lutar contra ele nunca foi opção, nem mesmo agora que estava em uma situação vulnerável e a faca está mais perto de minha mão. Não sou assassina. Ezequiel era um homem forte e agressivo, me mataria facilmente.
Assim que se satisfez, me largou na mesma posição que havia me deixado e colocou seu membro de volta para dentro das calças. Levantei abaixando a barra de meu vestido, meu corpo todo tremia e meus olhos marejados ofuscavam seu rosto, mal consegui enxergar quando o primeiro tapa foi de encontro com minha bochecha, o segundo fez com que eu desabasse ao chão. Minha pele ardia e as lágrimas, que antes se recusavam em cair, rolavam pela minha face.
— Vagabunda! — sentou-se na cadeira.
Ainda no chão, aos soluços, tentei formular a palavra desculpa.
— Desculpa? — segurou meu rosto com força. — Se eu soubesse que era seca por dentro, eu teria fodido com o porco!
O mesmo colocou suas botas, sujas de lama, e saiu de casa. Certamente estava indo embebedar-se na taverna, talvez se satisfaça novamente com algumas mulheres de lá e com sorte, chegue tarde em casa e cansado.

Corri para o rio próximo da cabana, precisava me limpar de qualquer resquício dele. Assim que terminei encarei meu reflexo na água, os roxos se tornaram visíveis. Não era essa vida que imaginei para mim, não é a vida que posso suportar.
Meu peito doía, minha respiração faltava, cada parte de meu corpo pulsava pedindo socorro. Suplicando para um fim daquilo. Cada gota de sangue implorava para que aquelas agressões parassem, para que tivessem um descanso.
Nunca fui para o fundo do rio, sempre permaneci nas margens, pois não sei nadar. Entretanto, sem pensar duas vezes andei em direção a parte mais funda, a cada passo a água cobria mais partes de meu corpo. Pés, joelhos, cintura, mãos e logo na altura dos seios. Não demorou muito para me cobrir toda e de propósito esvaziar meus pulmões. A água gélida e corrente perfurando minha pele como cristais de gelo.
As pedras penduradas em minha saia iriam impedir que eu tentasse fugir do meu destino.
O desespero de puxar o ar e receber água foi inevitável, mesmo que minhas atitudes tenham sido propositais, parte minha se debatia pela vida. Uma miséra parte ainda acreditava em mudança , que poderia correr pelas árvores e fugir das mãos de Ezequiel. Mas não, sabia que nessa época, nesse mundo, não havia salvação para mim.
Voltar para casa seria ainda pior e nada além da morte conseguiria mudar isso. Seja lá o que aconteça, será melhor do que continuar a viver assim. Espero que o Criador me perdoe por desistir do sopro sagrado de vida.
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𝚃𝙷𝙴 𝙰𝙱𝚂𝙾𝙻𝚄𝚃𝙴
Historical Fiction☽ TODOS INVEJAM PESSOAS BEM SUCEDIDAS, É FÁCIL SER RECONHECIDO QUANTO ESTÁ NO TOPO. NINGUÉM PRESTA ATENÇÃO QUANDO VOCÊ ESTÁ NA LAMA E CONFESSO QUE SINTO FALTA DE SER INVISÍVEL. ☾