Assim que terminei meu banho, desfrutando rapidamente da água gélida do rio, comecei a me vestir. Não podia demorar, apesar das pessoas mal frequentarem a floresta, ainda assim podia ter o azar de encontrar um tarado escondido nas moitas e mato alto perto das margens.
Já descobri que possuo muita sorte para o azar.
Enquanto amarrava minha saia do tecido mais barato do mercado, havia algumas emendas e a barra, por arrastar no chão, já havia adquirido a coloração do solo, meu cabelo, molhado por conta do banho, caia sobre os ombros desnudos.
Queria poder usar calças... pensei comigo mesma, enquanto estava completamente vestida. Mal quero respirar, quem dirá ter forças o suficiente para rebater contra o mundo e usar calças.
Um barulho no mato cortou meus pensamentos, direcionando-os para uma moita à frente. Dele saiu um cavalo branco com pequenas pintas cinzentas em suas patas e ancas. Era um animal elegante e belo, não era atoa que os reis andavam sobre animais tão nobres. Tão tranquilo, como se eu não fosse uma estranha que poderia, potencialmente, tomar sua vida e comer de sua carne. É assim? Viver sem medo é essa tranquilidade?
— Gostou dele? — voltei minha atenção para seu dono, só então para depois reconhecê-lo. — Senhorita, que prazer revê-la.
— Pelo visto eu não sou a única que visita o rio — observei.
— Descobri a beleza do lugar, recentemente.
— Qual é o nome dele? É manso? — perguntei maravilhada com o cavalo e ignorando sua presença, um erro que poderia ser fatal.
— Pode acariciá-lo se quiser — arrisquei um carinho em seu pescoço com a permissão de Lance. — Ele se chama Phobos.
— Olá, Phobos — fitei sua sela, era incrivelmente bonita e bem detalhada. O couro de primeira qualidade, assim como o ouro que detalhava algumas partes. — É um comerciante? Essa sela e o animal devem ter custado muito.
O mesmo me encarou. Talvez não esperasse essa pergunta ou sequer pensou que eu teria ideia sobre a avaliação de materiais de boa qualidade e de má qualidade.
— Talvez, por que acha que sou comerciante? — Lance se aproximou, pegando as rédeas de Phobos.
— Um plebeu não conseguiria um cavalo e uma sela nem que trabalhasse sua vida inteira. Pessoas ricas como comerciantes, nobres como lordes, reis e sacerdotes conseguiriam facilmente essas duas coisas — completei minha linha de raciocínio. — A qual pertence?
— Comerciante, tenho uma taverna nas proximidades — soltou um sorriso discreto e voltou a me encarar. — Bonita, esperta e corajosa. Tens mais alguma qualidade?
Abaixei a vista.
— Não possuo qualidades. Acho bom que o senhor pare de me bajular. Não sou o tipo de mulher que se corteja.
— Tenho motivos para acreditar que sim, afinal, acabei de listar três ótimas qualidades — involuntariamente, sorri e por segundos estranhei, minha mente e minha face entraram em uma pequena confusão. Fazia tanto tempo que não sorria, receio ter esquecido quais partes do rosto tinha que mexer para sorrir. — Sorriso acabou de entrar nessa lista.
— Há quanto tempo tem ele? — mudei o ritmo da conversa. Galanteios não faziam parte de meu plano diário.
— Um ano e meio. Meu melhor amigo. Já andou em um desse?
Neguei. Phobos relinchou, me assustando um pouco.

Maravilhada com Phobos, perdi a noção do tempo. Aquele cavalo era a mais bela criatura que meus olhos já avistaram em toda a existência e experiência, o que também não é muita. Mas, nem tudo que é visto, é apreciado e a maioria, quando causa incômodo, gera alguma pergunta sem limite e Lance, como um atrevido, fez a sua.
— O que causou esses roxos? Melhor, quem? — Lance passou os dedos na crina do animal. O encarei. — Eu sou um homem, reconheço as marcas de um. Não adianta mentir.
— Não sou uma boa esposa — respondi sem pensar e com um certo desânimo. Esperava que ele apoiasse Ezequiel em questão a isso, assim como tinha certeza de que se afastaria sabendo que sou casada.
— Não, ele que não é um bom marido — me corrigiu. De alguma forma, notei um tom amargo em sua voz. — Por isso estava no fundo do rio ontem? Era essa a sua forma de se livrar dele?
— Por favor, não conte a ninguém. Eu seria apedrejada e mesmo que tenha feito aquilo, não quero morrer assim.
Lance ficou quieto.
— Eu não acredito na lei dos homens e não tenho fé na lei de Deus. Seu segredo está seguro comigo, senhorita.
— Mesmo sabendo que sou casada, por que ainda me chama de senhorita? — o encarei.
— Te chamarei de senhora quando casar-se com alguém melhor.
Ri com aquela suposição. Casar novamente era algo ainda mais impossível do que ser feliz nessa vida.
— Bem, está tarde e tenho que voltar para casa — parei a sua frente. — Foi um prazer reencontrá-lo e seu cavalo é maravilhoso.
Lance deu um ar de riso.
— Agora sei onde posso te ver novamente. Sempre nas margens, como uma náiade.
Ambos tomamos caminhos diferentes e eu voltei, de certa forma, mais leve para a minha casa.

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𝚃𝙷𝙴 𝙰𝙱𝚂𝙾𝙻𝚄𝚃𝙴
Historical Fiction☽ TODOS INVEJAM PESSOAS BEM SUCEDIDAS, É FÁCIL SER RECONHECIDO QUANTO ESTÁ NO TOPO. NINGUÉM PRESTA ATENÇÃO QUANDO VOCÊ ESTÁ NA LAMA E CONFESSO QUE SINTO FALTA DE SER INVISÍVEL. ☾