Era minha primeira vez em um porto. Os navios eram muitos maiores do que imaginava serem, o cheiro muito pior do que o esperado. Magalhães olhava ido aquilo com brilho nos olhos, como se estivesse diante do paraíso. O mar batia contra os navios, trazendo um som confortável aos meus ouvidos. Gaivotas rodavam o céu, a procura de alimento e pousando mas grandes velas.
Andamos até um grande navio com mais de três velas. Ele estava sendo carregado. Homens subiam e desciam com caixas por uma rampa de madeira.
— O CAPITÃO CHEGOU! - gritou o homem ao leme.
Homens se enfileiram, ombro rente ao outro e postura ereta. Alguns olharam para mim com curiosidade, outros com desprezo.
— Bom dia, senhores! — Magalhães sorriu e me colocou a frente. Senti o calor de sua mão nas minhas costas. — Estou cuidando da dona enquanto o Lorde está fora.
— Mulheres no navio dão azar, capitão — disse um homem de aparência latina.
— Ela não faz parte da tripulação. Viemos ver como estão as cargas.
Outro homem, dessa vez ruivo, trouxe um papel enrolado. Enquanto o capitão do navio lia as letras miúdas separadas por linhas pararelas, encarei o novo grande navio que atracava ao nosso lado. Um grupo de pessoas de pele escura desembarcaram ali. Minha curiosidade fez com que me afastasse dos outros homens e fosse mais perto do batente de madeira acima do convés.
Suas peles refletiam um brilho bronzeado através das cicatrizes. Arrastavam correntes presas tanto nas mãos, quanto nos pés. Suas cabeças baixas, ombros encolhidos e passos mancos. Imaginei quais abusos os mesmos sofreram para ficarem daquele jeito, incrédulos da própria força e liberdade.
Por qual motivo alguém acorrentaria tantas pessoas como se fossem um rebanho?
— São escravos — Magalhães explicou, certamente percebendo minha longa encarada confusa.— Escravos? Que absurdo! Todos merecem a liberdade — esbravejei.
— De fato, dona. Infelizmente, não podemos fazer muito — suspirou.
Olhei o homem branco, portador de um chicote e uma pistola. Não havia visto mais outro com as mesmas características, estariam eles ainda dentro do navio?
— Ele só está em um, acho que podemos fazer algo. Atacamos dos dois lados, ou simplesmente você atira com sua pistola.
Magalhães me encarou com um sorriso alojado no canto de sua boca, seus olhos verdes pareceram ainda mais vívidos.
— Agora, entendo o motivo de Lance te amar. A dona é uma maluca, mas, uma maluca corajosa.
— Lance sequer me avisou de sua ida. O que me diz, vai entrar nessa ou não?
— Por mais que eu esteja sedento por um combate, sei reconhecer quando algo está ganho ou perdido. Neste caso, dona, vamos morrer no terceiro tiro — Magalhães voltou seus olhos para os escravos. — Não ouse atacar. Lance me mataria se a dona morresse.
Vi os escravos passarem por nós. Senti um aperto no peito. Ninguém merecia estar sob essas circunstâncias e me senti imponente por não ser capaz de libertar aquelas pessoas.
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𝚃𝙷𝙴 𝙰𝙱𝚂𝙾𝙻𝚄𝚃𝙴
Historical Fiction☽ TODOS INVEJAM PESSOAS BEM SUCEDIDAS, É FÁCIL SER RECONHECIDO QUANTO ESTÁ NO TOPO. NINGUÉM PRESTA ATENÇÃO QUANDO VOCÊ ESTÁ NA LAMA E CONFESSO QUE SINTO FALTA DE SER INVISÍVEL. ☾