Surpresa

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Com o passar do tempo, os encontros entre mim e Lance se tornavam cada vez mais frequentes. Dessa vez, dormia mais cedo com um novo motivo, não para os dias de minha vida passarem mais rápido, mas sim para chegar o horário em que eu encontraria ele e seu alazão branco. Para encontrar uma nova perspectiva, uma nova luz, novos conhecimentos, um vislumbre de uma nova vida.

Lance me trazia comidas diferentes da cidade. Estava até mesmo me ensinando a ler, trazendo-me livros atrás de outros. Confesso que formular letra por letra era algo difícil, mas depois elas se transformavam em palavras, que por sua vez viravam textos e eles, traziam-me conhecimentos, reflexões ou simplesmente a sensação confortável de fugir da realidade.

Em um de nossos encontros, li dois capítulos em voz alta. Mesmo com alguns caguejos e travas, Lance continuava a me incentivar, sorrir e gesticular, dando o máximo de sua atenção.

— A senhorita aprende muito rápido! Ou sou um professor incrível — me encarou orgulhoso, porém não sabia dizer se era por mim ou por si.

Sorri e Lance encarou meu pescoço. Há uma noite, achei que não veria mais a luz do sol, pelo menos não enquanto Ezequiel envolvia meu pescoço com seus dedos e impedia que o ar refrescasse meus pulmões.

Estou me familiarizando com a morte, pelo menos, em sua presença quando meu marido chega.

— Isso está horrível — seu olhar mudou drasticamente, mas não mantive meus olhos nele por muito tempo. Sentia vergonha. — O que aconteceu dessa vez?

— Ele se empolgou enquanto me... Enfim, não é nada de sério ou de diferente — me distanciei da margem. — Qual será o próximo livro?

Tentei, de uma forma desesperada, mudar o percurso dessa conversa. Entretanto, seu olhar continuava a analisar quase machucado evidente em meu corpo. Abria e fechava a boca, como se quisesse dizer algo e voltasse atrás.

— Já considerou fugir? Claramente não merece essa vida, por que insiste em permanecer nesse lugar? — me encarou. Demonstrou-se agitado com a sugestão e eu, não a levei a sério.

— Fugir se torna opção quando há um lugar para ir — respondi encarando o céu limpo, sem nenhuma nuvem sequer.

— Eu já teria o matado.

— Não sou uma assassina — franzi o cenho.

— Existe duas opções para você Náiade, você mata ele ou seu marido te mata.

Não demonstrei importância.

— E aí, eu o mataria por isso — completou em um tom mais sério e eu me encontrei paralisada, encarando seus olhos castanhos determinados tentando entender o motivo.

— Mancharia sua honra por tão pouco? — sete palavras, apenas isso saiu de minha boca. Sete palavras indignadas e curiosas.

O homem riu. Gargalhou como se estivesse em um espetáculo de humor e mais uma vez, me deixava em repleta confusão. Se fosse algo engraçado, não havia entendido o ápice da piada.

— Náiade, se estivesse com meus olhos, saberia que matar um monstro como ele iria me livrar de alguns pecados — chegou mais perto. — Não a acho insignificante, muito pelo contrário.

O mesmo olhou para o céu e depois se afastou.

— Está escurecendo, logo terá o desprazer de voltar para aquele lugar — cruzou os braços, parecendo incomodado. — Amanhã estarei aqui e tratei coisas novas para te mostrar. Apenas volte, ok?

Assenti e virei as costas para ele, me embrenhando na mata sem olhar para trás. Tinha certeza que se olhasse, por mais breve que fosse, não iria querer sair de lá.

𝚃𝙷𝙴 𝙰𝙱𝚂𝙾𝙻𝚄𝚃𝙴Onde histórias criam vida. Descubra agora