Capítulo 25

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Flash Back On

-Brad é a única família que eu tenho além de Brianna e Grace. Meus pais morreram quando eu era mais novo. Já éramos como irmão antes disso, mas depois, sem meus pais, ele se tornou minha família de verdade. - falei mirando a janela do consultório, enquanto a doutora Emma, minha psicóloga, escrevia em seu inseparável caderninho. - Ele que me convenceu a procurar sua ajuda. Eu tive muita sorte de ter ido com ele para a guerra, provavelmente nenhum dos dois teríamos sobrevivido aquilo se um não tivesse o outro. - voltei a olhá-la. 

-Brad parece ser um ótimo amigo. - ela concordou, me fazendo assentir. -Ou um irmão, como você diz. - completou, me fazendo concordar. -Talvez ele então esteja certo, talvez devesse aceitar que o casamento entre você e Brianna acabou, talvez isso machuque menos os dois. - continuou, me fazendo espremer os lábios. 

-Eu queria conseguir desistir dela, mas… eu faria tudo pela nossa familia. Eu vou dar o divorcio a ela, como ela quer. Será do jeito dela. Só quero que ela e Grace sejam felizes, mesmo que eu não participe dessa felicidade da maneira que eu gostaria. Nem que eu tenha que mudar para Austrália se ela voltar para casa dos pais… ou se eu tiver que cuidar de Grace sozinho… o que ela escolher… eu só… - suspirei, mirando o nada novamente. - Só sinto que no momento que ela mudar de ideia, eu vou estar aqui para ela de novo por que eu a amo. Depois de todo esse tempo, nada mudou o que eu sinto por ela, mesmo com as coisas do jeito que estão.

-Você se sente frustado de se sentir assim, não é? -a doutora perguntou, fazendo eu mirá-la. -Na verdade, acho que se sente frustado por não entender o que aconteceu para ela não sentir o mesmo. Afinal, os dois sofreram, os dois não tiveram escolhas, os dois passaram por momentos traumatizantes. -Ela completou, me fazendo abaixar os olhos. -As pessoas mudam, Christopher. Cada uma lida com suas próprias emoções de uma maneira diferente. Mesmo em situações semelhantes, cada um reage a essas situações de maneiras distintas. - completou, espremendo os lábios. -Não é errado estar disposto a lutar por quem a gente ama ou estar pronto para recebê-la de volta em sua vida se ela mudar de ideia, só é errado você estacionar sua vida em prol de outra pessoa. -Ela deixou o carderno de lado. 

-Eu tenho consciência disso. Eu tenho um bom trabalho, tenho Brad, tenho a Grace, tenho tempo para fazer o que eu gosto, tenho dinheiro suficiente para fazer o que eu gosto. Por isso tudo achei que quando voltasse para casa, as coisas finalmente estariam em seu lugar. Teria a família que tinha sonhado e que tinha construído. - comentei, me desencostando do pequeno sofá, apoiando os cotovelos nas pernas, olhando ainda um ponto vazio. - Mas isso tudo parece um pouco sem brilho se não compartilhado com ela. Até porque ela me passava a impressão de que ela também sentia que minha volta seria o recomeço que a gente precisava, que tudo voltaria a ser perfeito como era antes. Então quando a empolgação da volta passou e as coisas foram se mostrando como de fato eram, foi um balde de água fria. -Suspirei, passando a mão no cabelo e olhando para a doutora novamente. -Passei dois anos sobrevivendo a cada dia, sem me permitir desistir, por ela e pela Grace, que agora parece que desistir não é uma opção.

-Pode ser que no dia que ela conseguir processar e lidar com esses traumas, ela entenda que ainda te ama e tudo mais. Só que isso pode demorar uma semana, um ano, cinco anos, talvez vinte anos ou talvez nunca chegue esse dia. Há muitas possibilidades. Viver sua vida não é desistir dela, viver sua vida é não desistir de você mesmo. -completou, me olhando nos olhos, me fazendo assentir e suspirar. -E é como você mesmo disse… independente de qualquer coisa, você tem o Brad para te apoiar no que for. - ela sorriu de leve me mostrando que eu não estava sozinho, me fazendo sorrir de leve. Mesmo que tudo desse errado e minha família desmoronasse, Brad seguia sendo minha família. Sempre.

Flash Back Off

Saí do local antes que a polícia chegasse, me secando e trocando de roupa dentro do carro mesmo, assim que parei no estacionamento do hospital. Eu estava inquieto e nervoso, embora um pouco aliviado pelo fim daquilo tudo, precisava saber sobre o Brad. 
Saí do carro e andei a passos rápidos para dentro do hospital, perguntando na recepção sobre ele. Foi preciso subir até o quinto andar para encontrar a recepção que conseguiria me dizer como ele estava. Ao perguntar à recepcionista, ela apenas espremeu os lábios e apontou para o corredor, me fazendo virar o rosto e ver há alguns metros Emily chorando nos braços de Brianna, enquanto Grace assistia um pouco confusa mais distante.  
Forcei minhas pernas a andarem na direção delas, sentindo meu peito se apertar e minha garganta fechar em um nó. Por um momento eu não conseguia entender o que estava acontecendo, até os olhos de Brianna me acharem, sua primeira reação foi de alívio por me ver, constatar que eu estava bem e vivo, mas não durou muito e seu olhar mudou como se dissesse um “sinto muito” em silêncio. E então eu tinha entendido tudo. 
Minhas pernas pararam de obedecer e eu achei que fosse cair no chão. Ainda estava há alguns metros delas, mas fui até a parede, me apoiar. Quando encostei as costas na parede, sentindo-a gelada, que o pensamento veio a tona em minha mente. 
Brad estava morto. 
Por isso Emily soluçava inconsolável nos braços de Brianna. A cena ficou embaçada pelas lágrimas que se formavam em meus olhos conforme a ficha ia caindo. Sem conseguir manter o peso do meu corpo, escorreguei até o chão, fechando os olhos e vendo em minha mente a cena de Brad afundando no mar inconsciente novamente. Dessa vez sem que eu conseguisse pegá-lo. 
Então o choro veio incontrolável, me fazendo apertar os próprios cabelos, me encolhendo, apoiando os cotovelos nos joelhos e me rendendo a dor que rasgava meu peito violentamente. 
Brad estava morto. 
Por alguns minutos permanecemos naquele cenário, aguentando a dor da verdade, até Brianna levar Emily para sala de espera, dando um copo d’água a ela, deixando que ela se acalmasse aos poucos. 
Sem dizer nada, Brianna se abaixou diante de mim alguns minutos depois tocando meu antebraço, fazendo eu erguer a cabeça e ver seus olhos avermelhados se enchendo de lágrimas novamente. 

-Porque não conseguiram salvar ele? - perguntei, mesmo sabendo a resposta, me recusava a aceitar. 

-Ele perdeu muito sangue. Chegou aqui praticamente morto. Tentaram uma cirurgia de emergência mas não adiantou. Ele não resistiu… - contou, fazendo minhas lágrimas voltarem com tudo. Ela me abraçou e deixou que eu chorasse como uma criança, sentindo toda a dor e o pesar de perder um irmão.

Já não havia mais lágrimas para serem derramadas quando o caixão coberto com a bandeira azul, branca e vermelha foi colocado sob a sepultura. No fundo o som da marcha fúnebre cessou e deu-se lugar a salva de tiros que fazia minha espinha se arrepiar com cada munição disparada. 
Ali aquilo tudo era uma homenagem a Brad, que estava dentro do caixão, com seu capacete e seus óculos de proteção sobre a bandeira. Cercado por pessoas que o amavam e pelos soldados que tinha conhecido nos últimos anos. 
Vestido com meu uniforme escuro, aquela não tinha sido a primeira vez que via o caixão de um soldado sendo colocado em sua sepultura, enquanto todos faziam continência, mas sem dúvida era a continência mais dolorosa que eu havia presenciado. 
Brianna consolava Emily que tentava chorar silenciosamente, enquanto eu mirava o caixão mal conseguindo respirar, sentindo meus olhos arderem. 

-Papai… -Grace me puxou pela mão para que eu a olhasse. -Eu fiz esse desenho para o Tio Brad. Eu posso deixar com ele? -Ela me mostrou uma folha dobrada em quatro partes, me fazendo pegar a folha e abrí-la. 

No papel meio amassado tinha o desenho rabiscado de dois homens com roupas camufladas, brindando com um copo de bebida na mão. A imagem me faria rir se não fosse o momento, mas foi impossível não sorrir. 
-Alguém gostaria de falar mais alguma coisa? - o capitão perguntou a todos, fazendo eu assentir e pegar Grace no colo, lhe entregando o papel. 

A levei até próximo à sepultura, deixando que ela colocasse o papel ali, sentindo o nó na garganta voltar a me afetar. 

-Obrigada, Tio Brad, por cuidar do meu papai enquanto estavam longe de casa. - Grace falou, enchendo meus olhos de lágrimas, me fazendo beijar os finos cabelos loiros de Grace antes de voltar a mirar o caixão novamente.

-Brad foi um herói em campo e um herói na minha vida. Se não fosse por ele, eu não estaria aqui hoje. -olhei em volta, com os olhos marejado, vendo todas aquelas pessoas sofrendo com sua partida, mas a lágrima só voltou a escorrer quando vi Emily me olhando, tentando forçar um sorriso, com Brianna ao seu lado, com o braço em seus ombros. Apenas as duas sabiam o quanto aquelas palavras eram verdadeiras. -Devo a minha vida e a vida de minha família a ele. Ele é um herói e jamais será esquecido. - completei, sentindo minha voz falhar, me voltando para o caixão novamente. - Descanse em paz, meu irmão, te vejo quando for a hora certa. - finalizei, me afastando do caixão e voltando para o lado de Brianna, secando o rosto novamente.

A sepultura foi fechada e, aos poucos, as pessoas foram indo embora junto com o sol que começava a se pôr, até sobrarem apenas nossa família.

-Pode me deixar em casa? Eu preciso de um banho e um vinho. - Emily fungou, perguntando a Brianna que assentiu de prontidão. 

-Tem certeza que não quer ficar com a gente na nossa casa um pouco? - perguntou, fazendo-a negar, enquanto se aproximava para se despedir de mim. 

Eu a abracei e deixei que ela chorasse mais um pouco. 

-O que você precisar, pode nos ligar. -avisei, fazendo-a assentir, sentindo a culpa dominar meus sentimentos.

-Não se culpe, Chris. -ela falou, segurando minhas mãos, como se lesse meus pensamentos. - A última coisa que ele me disse antes que vocês viajassem pro outro lado do mundo foi que ele precisava fazer isso, por que você precisava dele e que ele tinha a plena certeza que se a situação fosse inversa, você também faria tudo isso por ele. E eu tenho certeza que faria mesmo. Ele escolheu te ajudar. E ajudou sabendo das consequências. E ajudaria de novo mesmo se soubesse o final que teria. É isso que a família faz. A família cuida. -ela fungou, assentindo e dando um sorriso de leve, me fazendo assentir e abraçá-la, sentindo um pouco de alivio em suas palavras. 
-Não demore, por favor… - Brianna sussurrou quando Emily se afastou com Grace, indo a caminho do estacionamento do cemitério.

Me voltei para o túmulo e li mais uma vez o que estava escrito na pedra, na tentativa de digerir aquela realidade.

“Brad Hanson  
1983 - 2019
Amado marido e irmão”

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