7. Galleggiante

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Madrid, Espanha – 2022.

Carlos nem sabia dizer exatamente como tinha conseguido chegar em casa. Havia saído da festa completamente aéreo e sem nem saber direito onde estava, e sem nenhuma noção, pegou o carro e voltou para seu apartamento dirigindo puramente no instinto. Encontrava-se no elevador subindo para seu andar, e a única coisa pela qual torcia era para encontrar Isabel dormindo profundamente, já que novamente ele tinha mentido para ela dizendo que ia para um lugar quando na verdade foi para outro. Embora ela não fosse de questionar o que ele fazia sozinho por aí, ele ainda tinha o mínimo de caráter para se sentir mal ao olhar para seu rosto sabendo que tinha mentindo e traído a confiança dela.

Assim que o elevador chegou até o andar de seu apartamento, ele saiu meio cambaleante pelo corredor, os detalhes eram turvos em sua visão recheada de tequila e vodka. Comparando com as outras "escapadinhas" de Carlos, essa até que tinha sido mais tranquila, só havia saído para beber e espairecer um pouco, os dias vinham lhe sendo estressantes, mesmo este breve período e folga entre a corrida de Jeddah e Melbourne tinha feito sua cabeça doer. Sua cabeça parecia flutuar desde o início da temporada, ele não conseguia pensar em muitas coisas além do desempenho que gostaria de ter naquele ano, que gostaria que Charles e ele tivessem. Charles. Era irritante o quanto todas as suas ideias paravam nele. Sim, sua mente flutuava, mas sempre sob um campo específico, sob uma pessoa específica. Não conseguia parar de pensar nele e isso o matava cada dia mais.

Desde Jeddah, Sainz vinha percebendo que não adiantava muito fugir dos sentimentos que o consumiam. Ele estava deixando-os tomar espaço, embora não soubesse exatamente até aonde isso poderia ir. O quão grande eles viriam a se tornar. Ainda não conseguia muito bem nomeá-los ─ ou não queria lhes dar os nomes que eles realmente tinham ─, tudo lhe era tão novo e estranho, era algo que nunca tinha sentido antes. Eram emoções tão diferentes que estavam até afetando seu comportamento. Carlos sabia bem que era um cafajeste e não se orgulhava disso, mas era o que era e não sabia ser diferente. Mas saindo hoje, ele pôde perceber que algo mudou. Ele não era de recusar uma mulher bonita dando ideia, todas sempre lhe foram tão interessantes, mas hoje não pareceram ser tudo isso. E embora tivesse aceitado uma ou outra, não era mais a mesma coisa. Não era ele que estava ali, não era Charles. Beijar uma desconhecida apenas por diversão não dava um porcento do frio na barriga que segurar na mão de Charles dava, que observar aqueles olhos verdes brilhantes dava, que tirar uma mecha de cabelo castanho-claro de cima daqueles cílios enormes dava.

Ele suspirou com esse último pensamento, piscando enquanto segurava a porta da maçaneta de sua casa. Conceber que havia recusado mulheres por causa de outro cara lhe deu até uma leve tontura. É, aparentemente ele estava muito fodido mesmo. E o pior era que não sabia o que fazer, talvez nem houvesse o que ser feito. Se jogaria da janela, para matar aquilo e a si mesmo? Não parecia uma má escolha. E foi com este pensamento mórbido que ele girou a chave e abriu a porta, ligando a luz da sala e parando ali mesmo, com os olhos castanhos estalados. Isabel estava sentada no sofá, com as pernas e braços cruzados e um olhar mortífero, e ali Carlos percebeu que se confrontaria com todos os seus demônios.

─ Até que para uma reunião familiar, ela durou até bem tarde, não é, corazón? ─ Isa indagou, com uma expressão sarcástica, chacoalhando o pé enquanto parecia fitar o fundo da alma de Sainz. O piloto engoliu seco, sentindo seu corpo ficar rígido e um frio percorrer sua espinha. Ele nunca tinha visto aquele olhar, pelo menos não em Isa, ela sempre o recebeu com doçura e carinho. Ela tinha descoberto.

─ Erm... ─ ele desviou o olhar para o chão e umedeceu os lábios, tentando encontrar palavras para se explicar. Horrível como nenhuma lhe aparecia. Ele saiu de casa dizendo que iria até a casa dos pais, pois seu pai tinha combinado com ele e seus primos de eles fazerem uma "noite dos homens", onde ficariam bebendo cerveja e assistindo jogos antigos do Real Madrid. Mas claramente era mentira, o estado que se encontrava denunciava isso. ─ Desculpe, mi amor. Começamos a jogar cartas e acabamos nos esquecendo da hora... ─ disse sentindo o rosto ficar vermelho, coçando o couro cabeludo e ainda sem encarar a mulher diretamente. Nem percebeu a loira estreitar os olhos, ela se encheu de ódio com a cara de pau do namorado. ─ Mas já estou aqui, está tudo bem...

Desideri NascostiOnde histórias criam vida. Descubra agora