32. Tempo al tempo

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Monte Carlo, Mônaco - Setembro de 2022.

Haveriam duas semanas de intervalo entre os Grandes Prêmios da Itália e de Singapura. Nesse meio tempo, deveria acontecer o GP da Rússia, em Sochi. No entanto, Rússia e Ucrânia decidiram que seria uma boa ideia explodir em guerra em fevereiro daquele ano; e a FIA, assim como toda instituição capitalista daquele mundo, não estava nem um pouco feliz com o comportamento dos russos. O GP de Sochi daquele ano havia sido cancelado, e muito provavelmente não haveria mais corridas em território russo enquanto essa guerra não terminasse.

Nesse caso, Charles teria duas semanas para descansar. Seja das corridas, seja dos conflitos em sua vida pessoal. Quanto ao campeonato, tudo estava se saindo melhor do que ele imaginava. Três vitórias após o retorno das férias, não havia prova maior para afirmar que sim, ele ainda estava vivo. Ainda podia disputar aquele título, ainda podia ser campeão. Seu sonho nunca esteve tão ao alcance de suas mãos, tudo dependia apenas dele. Dele e da equipe, claro. Muitos dos pontos perdidos por Charles naquele ano não haviam sido por sua culpa, embora ele sempre quisesse se colocar como culpado por todas as situações. Ainda bem que agora ele fazia terapia e sabia separar o que estava a seu alcance, do que não estava.

Quanto à vida pessoal, bem, ele estava tentando seguir em frente. Tentava com todas as forças ficar bem, não se deixar levar pelos pensamentos que o faziam querer se sentir culpado pela forma como as coisas se deram. Não era sua culpa se Carlos o tratou como uma criança, muito menos se ele achou que seria uma boa ideia carregar todo aquele peso sozinho. Pegava-se em certos momentos tentando dar razão aos motivos dele, colocá-lo como correto em não dividir consigo tudo o que vinha acontecendo. Se ele não quis contar, era porque Charles realmente não conseguiria lidar, sua mente distorcida dizia. Mas felizmente conseguia voltar para a realidade e dizer a si mesmo que não, que o que ele fez foi absolutamente desleal.

Ele não podia simplesmente decidir que sua maneira de levar as coisas era a correta, não dividir consigo algo que era sobre o namoro deles. Carlos Sainz era imaturo, o sentimento dele era. Charles não queria estar ao lado de alguém que não estava disposto a arriscar tudo.

Foi Carlos quem o pediu em namoro, porém ele achou que poderiam se esconder pelo resto da vida. E isso por si só já era motivo o suficiente pra fazer Charles entender que terminar com ele foi a melhor coisa que fez.

O namoro oficial deles durou um mês, mais ou menos. Mas a verdade era que eles estavam juntos desde aquele dia, neste mesmo apartamento em Mônaco. Charles viveu os meses mais intensos de sua vida, e isso, em conjunto com o campeonato, acabou fazendo-o esquecer-se de sua individualidade. E era esse o objetivo dele nessas próximas duas semanas, voltar-se para si mesmo. Reencontrar o Charles Leclerc que ficou um pouco perdido no meio dessa confusão.

E não havia lugar melhor onde ele pudesse fazer isso que na frente de seu piano. A última vez que ele parou para realmente tocar alguma coisa foi justamente naquela noite, antes do GP de Mônaco. Quando mostrou a Carlos a música que estava compondo enquanto pensava em seus sentimentos por ele, e o dia que o beijou pela primeira vez. Aquele tinha sido um momento tão mágico que fazia seus olhos marejarem apenas por se lembrar. Ele não chegou a terminar de compor aquela música, e nem terminaria, pelo menos não por enquanto. Precisava criar algo novo, por isso ficava dividindo sua atenção entre as partituras e o piano. Também ficava cantarolando para si mesmo a melodia que estava em sua cabeça.

Charles sentia que precisava contar uma história com aquela nova canção. A sua história, sua descoberta. O desvelamento de si, de quem realmente era, que se deu naqueles últimos meses. Mesmo que Carlos tenha o machucado, ele fez algo por si que ninguém mais poderia. Ele o libertou para ser autêntico. E mesmo que eles nunca mais ficassem juntos, aquela marca ficaria em Charles, e ninguém mais teria esse lugar em sua vida.

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