17. Disallineamenti

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Charles não pôde dizer que acordou bem naquele domingo. Na verdade, foi até um pouco difícil dormir. Se fosse contabilizar, talvez teve cerca de 4 horas de sono diretas, o que era horrível se for pensar que em mais ou menos uma hora ele entraria num carro de corrida, inclusive precisava começar a se aquecer daqui a pouco. Antes disso, ele precisava tirar um tempo apenas para si, precisava se concentrar, pois aquela corrida valia muita coisa. E não era somente pela corrida que ele se sentia ansioso.

Depois que Carlos e ele tiveram aquele momento na cozinha do hospitallity, eles não voltaram a conversar. Nem uma mensagem de boa noite Charles recebeu, e também não quis enviar nada para ele. Leclerc não queria ser falso, não estava feliz e gostaria que Carlos entendesse muito bem isso. Não sabia o que esperar da corrida de hoje, estava com medo de perder a liderança do campeonato de novo, e também não queria implorar mais nada para ninguém. Tinha certeza absoluta do quão claro foi ao pedir pra ser priorizado na reunião da quinta-feira, e pelo que pôde ver na qualy de ontem, ele não foi escutado, nem pela equipe, e nem por Carlos.

Parecia que tinham enfiado uma faca em seu peito.

Pensou muito sobre tudo isso durante a noite. Por isso não conseguiu dormir bem, sempre que pregava o olho começava a sonhar com muitas coisas que lhe deixavam apavorado ─ e que agora não conseguia se lembrar ─ e acordava assustado. Era comum ele ter pesadelos ou sonhos esquisitos quando a ansiedade atacava, e o que o ajudava a lidar com isso em vésperas de corrida era fazer uma pequena pausa para si mesmo, exatamente como fazia agora. Dessa vez não quis colocar música, precisava de um momento de silêncio, e ele apenas encarava um ponto fixo enquanto apertava os nós de seus dedos e girava seus anéis e pulseiras, sentado com as pernas abertas nas caixas de metal do fundo do motorhome, já vestido em seu macacão de corrida. Não sabia dizer se estava funcionando, continuava pensando em muitas coisas, não estava focado no presente e as vozes e sons que ouvia eram longínquos para ele. Talvez realmente precisasse escutar alguma música.

Charles sabia que estava agindo como uma criança birrenta. Porra, sentia-se tão mal por não conseguir ficar feliz por Carlos, era o pior amigo ─ amante? ─ do mundo. Mas o que queriam que ele fizesse, afinal? Olhasse para a situação que poderia fodê-lo muito no campeonato e bater palmas? Não tinha como. Leclerc era muito sincero com os próprios sentimentos, sabia identificar o que estava sentindo muito bem, e sabia exatamente que agora só o que sentia era uma chateação enorme, que poderia piorar. Por isso que não falou com Carlos ainda hoje, ele não queria ser falso. Não queria estragar a alegria dele de ser pole position pela primeira vez na vida com seu mau humor e pessimismo. E Charles tentava falar para si mesmo que era apenas uma pole, ia largar de terceiro lugar, mas tinha chances de vencer. E era nessas chances que estava se agarrando.

Porém, sabia que se a vitória escapasse das mãos de Carlos, ele ficaria exatamente da mesma forma que Charles estava agora. Chateado e muito, muito puto.

Que sinuca de bico dos diabos que meteram os dois.

A vontade que Charles tinha agora era de sair correndo, pegar na mão de Carlos e arrastá-lo para um lugar bem longe dali. Enfiá-lo num carro e sumir com ele para onde estariam livres daquilo tudo. Fugir para um local onde eles poderiam ser apenas eles dois, sem ninguém para atrapalhar. Onde pudesse abraçá-lo e amá-lo até o mundo acabar, onde pudesse beijá-lo até que seu ar acabasse, até sua boca ficar vermelha e inchada de tanto morder. Mas infelizmente a vida não era um conto de fadas, e eles tinham que lidar com tudo isso.

E Charles não sabia até aonde conseguiria passar por cima das dificuldades por Carlos. E também não sabia o que ele pensava sobre isso.

Até aonde eles poderiam ir?

Desideri NascostiOnde histórias criam vida. Descubra agora