31) CTC: A chegada.

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Era final da tarde, quase noite.

Os livros haviam sido devolvidos quase todos em suas estantes, o chão terminou de ser limpo à meia hora atrás. As janelas estavam sendo fechadas, encerrando assim o dia de funcionamento para os pesquisadores.

Tudo estava pronto, das traduções que devia, remédios feitos e enviados, cartas com seus planos para serem executados em diferentes localidades, uma visita feita no templo do sono e um serviço negociado com muita dificuldade, esperava por uma dádiva.

Se pelo menos não tivesse tanta pressa, podia pesquisar mais e fazer traduções menos toscas. A luz da elegante lamparina de mesa em formato de flor com uma pedra de fogo no centro, fazia-lhe companhia durante muitos dias naquela biblioteca. Os preciosos desenhos que havia copiado, serviriam como um mapa anatômico perfeito. Os muitos livros que consultou eram apenas cópias feitas por discípulos, mas eram preciosos. Devia agradecimento à muitas pessoas, das monjas que o ajudaram nas buscas até mesmo o autor dos livros. O trabalho do médico real de Dracônia era incrível, suas fórmulas nem sempre envolviam mágica, muitas vezes era o modo de fazer, a lua certa, o mês certo de colheita das ervas que fazia a fórmula ser perfeita.

Alguém podia ter saudades de algo que não viveu? Quando seus pensamentos dirigiam-se até ao castelo feito no coração daquela gigante Sequoia, sentia um pequeno aperto no peito. Jamais foi muito além do rio em suas buscas por ervas medicinais, nunca conseguiu. E não foi por medo, não tinha medo da floresta e dos muitos restos fúnebres da guerra ou mesmo das Bruxas brancas, apenas seu coração não aguentaria chegar aos portões e não poder entrar, depois de tantos anos em que imaginou-se naqueles corredores.

Sonhos de um jovenzinho, uma criança que secretamente tinha devaneios com aventuras fantásticas em um castelo abandonado.

Ele já não era uma criança.

Era hora de voltar para o novo membro de sua família, assumir suas responsabilidades e encarar aquele procedimento e as consequências dele.

Não deixou de orar aos deuses um dia se quer, sua mão seguraria o bisturi e seus dedos seriam o instrumento de vida ou morte.

Como existia gente que sentia soberba diante de tal poder ou que brincava com ele? Seu peito estava cheio de sentimentos de anelo e esperança ao mesmo tempo que a responsabilidade apertava seus ombros. E com estes sentimentos tomou chá de valeriana para aquietar sua mente e corpo. Amanhã seria outro dia e por hora cuidaria de sua própria saúde, jantar, descansar devidamente e repassar toda a informação obtida.

A masmorra do castelo estava na parte mais profunda da rocha, o que fazia o local ser escuro, mal oxigenado e um excelente isolador acústico. As pedras de fogo eram a principal fonte de luz junto as paredes pintadas com uma opaca tinta luminescente. O local era sinistro e podia sentir o gosto da sujeira na língua. Descobriu que manter o calabouço limpo e oxigenado era um trabalho pesado, coisa que qualquer clérigo podia fazer, purificar a maldita água com magia, más não havia clérigos, não havia culto aos deuses e nem magia, muito menos esperança, apenas a luta pela existência diária.

A limpeza de um bloco começava por limpar o solo de dejetos e matar os camarões cavernícolas com um espeto. Soltar peixes raspadores e ver se era necessário trocar os grandes vasos de algas produtoras de oxigênio. Os pesados vasos tinham de estar debaixo de fontes de luz o tempo todo.

Diferentes e numerosas vielas de celas desembocavam em um pátio central. Um canteiro inteiro de algas estava plantado em curva de nível em meio a cetros de luz, do lado oposto uma guarita escavada na rocha abrigava uma boa quantia de guardas em turnos de distintas funções. Uma das vielas era mais larga e um gosto ferroso impregnava a água ao entorno assim como ocasionais gemidos e alaridos enfermiços reverberam nas moléculas de água, como uma mensagem sádica em cada nota. Havia buracos de diferentes tamanhos nas paredes da rocha, todos naturais e os maiores estavam tampados por pesados paralelepípedos.

Tritão e Sangue - DekuTodoOnde histórias criam vida. Descubra agora