Capítulo 4

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Os olhos castanhos se abriram cautelosamente, pois os raios fortes de sol atingiam-lhe o rosto. Soltou uma longa respiração e se espreguiçou, levando uma de suas mãos até seu olho esquerdo e o coçando.

Era, decerto, muito cedo ainda; seu relógio biológico soava sempre junto com o nascer do sol, fazendo-a acordar mesmo se tivesse dormido bem tarde na noite anterior.

O frio era ainda mais intenso do que pela madrugada, Simone achava o frio daquele horário do dia o pior de todos os horários. Ela pegou sua escova de dentes e, junto com uma garrafa de água, sua toalha de rosto e um copo plástico, ela saiu do caminhão. Se debruçou sobre a beira da estrada e começou a escovar seus dentes. Resmungou algo quando vestígios de água respingaram em sua roupa e ao terminar sua higiene matinal deu uma olhada no cenário ao seu redor.

— Bom dia! — A moça que dormia na cabine, aparentemente, havia despertado, dando um leve susto em Simone.

— Dia! — Simone respondeu cética. — Se quiser escovar seus dentes eu tenho uma escova extra no meu porta-luvas.

— Faria mesmo a gentileza de me ceder sua escova nova? — Soraya perguntou contente e Simone acenou, indo buscar o objeto. — Oh, céus, obrigada — a garota agradeceu assim que a morena lhe entregou a escova de dentes.

— Desculpe ter esquecido a porta do caminhão aberta. Tenho o hábito de acordar só e...

— Não se preocupe — Soraya disse após terminar de escovar seus dentes e jogar um pouco de água em seu rosto. — Eu já estava acordada, de todo o modo.

— Certo — Simone disse, caminhando outra vez para o caminhão. Soraya entrou no mesmo e se sentou ao seu lado, esperando Simone ligar o caminhão, no entanto, ela não o fez.

— Não irá dirigir agora? — A garota perguntou, curiosa.

— Não. Esperarei as garotas acordarem. É proibido transportar pessoas na parte de trás. Só faço isso à noite e mesmo assim nem sempre. É perigoso.

— Oh — Soraya expressou, vendo Simone pegar algumas coisas no isopor.

— Sirva-se — ela disse séria e Soraya sorriu sem graça antes de pegar um sanduíche para si e uma garrafinha de suco. — Dormiu bem? — Simone perguntou de repente. — Eu sei que não é um lugar muito confortável, mas infelizmente é o melhor que posso te oferecer.

— Dormi muito bem, na verdade — respondeu com um sorriso puro. — À propósito, não deveria me ceder sua coberta. Acordei de madrugada e te vi encolhida em seu banco, desculpe — disse, dando uma mordida no sanduíche.

— Não se preocupe, sou mais acostumada do que você a esta vida de estrada — Simone disse sinceramente. — Esta noite dormiremos em um hotel; precisamos de uma noite decente de sono e de um bom banho —Soraya empalideceu ao ouvir aquilo.

— Será que eu... Hm, poderia dormir em seu caminhão?

— Por que, se estou dizendo que teremos uma cama confortável à nossa disposição? — Simone franziu o cenho em confusão.

— Eu, hm... — Enrubesceu e olhou para baixo. — Não tenho dinheiro para pagar um hotel. O dinheiro que eu tenho é para outra coisa.

— Não posso me dar ao luxo de te pagar um quarto, mas se não se incomodar pode dividir o quarto comigo e com a Samara. Só tem duas camas, mas a gente dá um jeito. Qualquer coisa posso dormir no chão ou...

— Não quero me aproveitar de sua hospitalidade. Realmente posso dormir aqui — Soraya disse prontamente.

— Pois eu me oponho. Você dormirá conosco em um quarto decente —Simone disse solenemente e Soraya soltou uma risadinha gostosa. — Do que ri?

— Você é sempre tão séria assim? — Perguntou em um sorriso. Simone soltou um resmungo baixo e lhe encarou.

— Não sou séria.

— Bem, desde que cheguei só te vi séria.

— Bem, desde que chegou não tive motivos para rir e que eu saiba eu ainda não bati forte com minha cabeça a ponto de rir do nada.

— Oh, desculpe — Soraya pediu desconcertada pela resposta que ganhou de Simone. A mais velha suspirou e meneou a cabeça.

— Não! Me desculpe você — disse ela. — É que não sou acostumada a falar com pessoas além de minhas irmãs e minha cunhada. Minhas respostas se moldaram à forma como lhes respondo. Eu não tive a intenção de ser rude.

— Tudo bem — Soraya respondeu, comendo em silêncio e admirando a bela paisagem através da janela da frente. — Então, qual é a sua história? — Ela perguntou após algum tempo.

— Eu não tenho uma história.

— O quê? — Soraya proferiu rindo. — Claro que tem. Me diz! Um ex-namorado que partiu seu coração? Uma família que te espera voltar ansiosamente? — Simone torceu a boca e Soraya prosseguiu. — Vamos lá, todos temos uma história.

— Qual é a sua? — Simone perguntou, vendo Maiara sorrir e franzir os olhos.

— Hey, eu perguntei primeiro. — Marília nada disse. — Se eu te contar a minha você me conta a sua?

— Talvez.

— Simone!

— O meu talvez é tudo o que você tem, senhorita Thronicke — Soraya bufou e assentiu.

— Bem, cresci no litoral; fui criada por meus avós grande parte da minha vida; sou solteira... — Os olhos castanhos da morena analisaram meticulosamente o olhar da loira em busca de tentar reconhecer se aquela informação lhe agradava, no entanto a mulher permaneceu imóvel. — E estava indo para San Diego visitar o túmulo de minha mãe.

— Certo.

— Sua vez.

— Como eu disse, eu não tenho uma história — o risinho nasalado de Soraya fez Simone lhe encarar.

— Você me enganou.

— Pelo contrário, te disse a verdade desde sempre.

— Tudo bem. Dirige desde que idade? — Soraya perguntou, vendo Simone rosnar algo baixinho.

— Você faz perguntas demais, Soraya.

— E você dá respostas de menos.

— Você não precisa saber da minha vida pessoal. Isso é apenas uma carona; não seremos amigas para toda a vida, daquelas que trocam mensagens após uma longa aventura.

— Você é bastante mal humorada para uma mulher de vinte e sete anos —Soraya constatou ainda com um meio sorriso em seus lábios.

— E você é bastante intrometida para uma de vinte e seis — Soraya se calou diante daquilo. Não iria arruinar sua única carona por discutir com uma garota teimosa e ranzinza.

A porta foi aberta por uma Janja faminta e calada. Seu bom-humor matinal era nulo e por isso Simone nada disse.

— Bom dia, Janja! — Soraya saudou.

— Fale comigo depois das dez da manhã. Por esse horário de agora sou movida unicamente à fome — Soraya se encolheu no banco ao ter recebido uma patada de uma segunda pessoa em menos de cinco minutos. O mau-humor pela manhã naquela família era nítido.

O olhar de Simone pousou em Soraya ao notar a garota corar diante da falta de educação tanto dela como de Janja.

— Soraya, eu não quis...

— Tudo bem, Simone. Você tem razão. É só uma carona — Simone assentiu, mas se sentiu levemente molesta com algo que não sabia o que era.

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